Folha de S. Paulo


Japão contra-ataca China por comparações com Voldemort

Uma semana depois que um enviado chinês comparou o Japão ao lorde Voldemort, o embaixador do Japão ao Reino Unido também invocou o arqui-inimigo de Harry Potter para acusar Pequim de agravar as tensões entre os dois países, em meio a disputas sobre territórios e sobre a história das guerras entre eles.

Em artigo de opinião para o jornal britânico "Daily Telegraph", Keiichi Hayashi declarou que a China estava tentando usar "coerção" para mudar o status quo da região Ásia-Pacífico, e defendeu o compromisso japonês para com a paz, democracia e direitos humanos, no pós-guerra.

"Nossas forças marítimas jamais assediam vizinhos em alto mar, e sustentamos por nossas ações os valores inscritos na Carta das Nações Unidas", declarou Hayashi em referência às vigorosas reivindicações territoriais chinesas, acrescentando que esses valores estão "profundamente enraizados" no Japão.

"O leste da Ásia está em uma encruzilhada", disse Hayashi. "Há dois caminhos abertos para a China. Um é buscar o diálogo e aceitar a lei. O outro é desempenhar o papel de Voldemort na região, desencadeando os males de uma corrida armamentista e escalada de tensões, ainda que o Japão não vá promover uma escalada na situação, de sua parte".

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Ralph Fiennes como Voldemort, o inimigo de Harry Potter
Ralph Fiennes como Voldemort, o inimigo de Harry Potter

"A resposta parece óbvia. Ainda que a China tenha até o momento recuso permissão para um diálogo entre nossos líderes, espero sinceramente que isso venha a transcorrer, em lugar de eles continuarem a invocar o fantasma o fantasma do militarismo de sete décadas atrás, que já não existe", afirmou o embaixador.

O ataque de Hayashi, feito em resposta a um sarcástico artigo de opinião publicado no mesmo espaço por seu colega de posto chinês em Londres, Liu Xiaming, foi publicado no momento em que o primeiro-ministro japonês estava apelando por um diálogo com os líderes da China e da Coreia do Sul.

Abe irritou os vizinhos do Japão no mês passado ao visitar um controvertido templo que honra os mortos do país na Segunda Guerra Mundial, entre os quais diversos líderes condenados por crimes de guerra.

Para muitos chineses e sul-coreanos, o templo de Yasukuni, em Tóquio, é um símbolo potente do militarismo japonês; visitas de políticos ao local são vistas como prova de que o Japão ainda precisa demonstrar arrependimento pela sua conduta durante a guerra no continente asiático.

Embora existam poucas perspectivas de uma conferência de cúpula, Abe disse que desejava explicar os motivos de sua visita ao templo ao líder chinês Xi Jinping e à presidente sul-coreana Park Geun-hye.

"Buscar diálogo com a China e a Coreia do Sul é extremamente importante para a paz e a segurança desta região", disse Abe a repórteres na segunda-feira. "Eu gostaria de explicar minhas verdadeiras intenções no que tange à visita a Yasukuni. Não temos contatos diretos em curso para estabelecer encontros como esse, no momento, mas a porta para o diálogo está sempre aberta. Eu gostaria de conduzir reuniões de cúpula entre Japão e China e Japão e Coreia do Sul".

"Estou certo de que conseguirei a compreensão dos países próximos quanto à busca de paz pela minha administração, se eu a explicar minuciosamente", disse.

Abe insistiu em que não visitou Yasukuni para honrar os criminosos de guerra ou promover o militarismo, mas para recordar os 2,5 milhões de mortos de guerra japoneses e reafirmar sua determinação de que o Japão jamais volte a entrar em guerra.

Sua explicação nada fez para acalmar os ânimos em Pequim; o enviado chinês a Londres acusou Abe de "invocar o espectro do militarismo" e de colocar o mundo em um "caminho perigoso".

Liu escreveu que "se o militarismo é como o Voldemort que assombra o Japão, o templo de Yasukuni em Tóquio é uma espécie de horcrux, representando as partes mais sombrias da alma daquele país".

Em resposta às críticas de Pequim quanto aos planos de Abe de elevar os gastos japoneses com a defesa nos próximos cinco anos, Hayashi escreveu que "é irônico que um país que elevou seus gastos militares em mais de 10% ao ano pelos últimos 20 anos defina um vizinho como militarista".

Ele chamou a atenção para a crescente inquietação quanto às ambições territoriais chinesas na área, entre as quais sua reivindicação das ilhas Senkaku, sob administração japonesa e conhecidas pelos chineses como Diaoyu.

"A tentativa [chinesa] de mudar o status quo pela força ou coerção despertou preocupações não só no Japão mas entre seus vizinhos no Mar da Leste da China e no Mar do sul da China", afirmou.

A piora no relacionamento entre China e Japão, respectivamente a segunda e terceira maiores economias mundiais, causa preocupação nos Estados Unidos.

No final de semana, o secretário norte-americano de defesa Chuck Hagel instou Abe a fazer contato com a China depois de sua visita a Yasukuni, que Washington descreveu como "decepcionante".

"O secretário Hagel enfatizou a importância de que o Japão tome medidas para melhorar suas relações com os países vizinhos", afirmou o Departamento de Defesa norte-americano em comunicado.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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