Folha de S. Paulo


Detidos na fronteira têm julgamentos coletivos

Embora tenha levantado a bandeira da reforma imigratória como uma de suas maiores promessas de campanha para a reeleição em 2012, o presidente dos EUA, Barack Obama, leva hoje a alcunha de "deportador em chefe" nas rodas de ativistas que defendem os imigrantes.

Quase 370 mil deportações foram conduzidas pelo ICE (segmento de imigração e alfândega do Departamento de Segurança Interna) no ano fiscal de 2013.

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O número –que abrange os imigrantes que foram aprisionados durante a travessia ilegal e os que já viviam no país– não ultrapassava 200 mil há uma década.

Enquanto os planos de reforma imigratória permanecem estacionados no Congresso, as deportações são endossadas por uma operação chamada Streamline, espécie de julgamento em série em que os clandestinos recebem uma sentença antes de serem deportados.

"São audiências diárias onde 70 pessoas, que foram capturadas dias antes, são levadas para a corte. Eles têm uma consulta com um defensor público, que os aconselha a se declararem culpados. A outra opção é recorrer, esperar mais na prisão e ter provavelmente o mesmo resultado: deportação", diz Charles Rooney, ativista que atua na região de fronteira.

"Muitos nem entendem os documentos que assinam na corte. Eles são presos por vários meses, dependendo da quantidade de tentativas de travessia", diz Rooney.

Em uma dessas audiências, a que a Folha assistiu, os imigrantes se levantavam em grupos, com algemas nas mãos e nos pés e correntes na cintura, e caminhavam até o juiz, que perguntava a cada um, muito rapidamente, se eram cidadãos estrangeiros tentando entrar ilegalmente nos EUA.

Alguns vestiam as mesmas roupas rasgadas na vegetação do deserto que tentaram cruzar nos dias anteriores.

"Eles nos tratam como animais. Nem banho deixaram tomar", conta, em Nogales, Alejandro Rivera, 47, que diz ter sido pedreiro por dez anos nos EUA.

Para Mark Willimann, defensor que trabalha na operação, o Streamline é uma oportunidade para os ilegais, pois, nele, podem ser aplicadas penas mais brandas do que ocorreria em outros tribunais não especializados.

"Tem gente que não gosta, pois acha que não deveria ter leis contra a entrada ilegal. Mas é uma chance de educar sobre a legislação americana", afirma.

Outra forma de punição, segundo Willimann, é o programa de deportações alternativas, que devolve o estrangeiro em um trecho da fronteira muito distante do local por onde ele entrou.

"Eles são levados de ônibus a uma distância a seis ou sete horas para leste ou oeste, onde são deixados do outro lado da fronteira", diz.

Jean Gonçalvez, 24, que morou oito anos no Texas antes de ser deportado na fronteira com o Arizona, diz ter pedido às autoridades para ser devolvido em um local onde pudesse voltar para a casa de seus familiares no México mais facilmente.

"Me jogaram aqui em Nogales. Não sei se esse lugar é perigoso por causa dos cartéis. Não tenho dinheiro para sair daqui", diz o jovem, cuja mulher, segundo ele, escapou dos policiais que o apreenderam e ficou nos EUA, grávida.

Helena Wolfenson
Santuário criado pelo grupo de ajuda humanitária No More Deaths com pertences encontrados no deserto
Santuário criado pelo grupo de ajuda humanitária No More Deaths com pertences encontrados no deserto

Moradora de Arivaca –uma comunidade rural no Arizona localizada a quase 20 km do México– a americana Arlene Cates, 62, reclama das incontáveis vezes em que foi parada por agentes da patrulha de fronteira do governo de seu país sempre que dirigia para Tucson, cidade vizinha, para fazer compras.

"Acho que o modelo do meu carro antigo era suspeito e pensavam que eu transportava imigrantes ilegais. Viviam perguntando se eu era cidadã americana e pediam documentos", diz.

Cansados do atual nível de militarização no entorno de suas residências, moradores de Arivaca e Tucson fizeram, na semana passada, uma manifestação na estrada que liga as duas cidades para pedir que o Departamento de Segurança Interna reduza o patrulhamento.

"Eles fazem barulho à noite quando estão perseguindo algum imigrante com cachorros latindo e faróis dos carros acesos", diz Cates.

O reforço da presença da US Border Patrol –a patrulha da fronteira do governo americano– nos quatro Estados que fazem limite com o México atingiu seu nível mais elevado após os ataques de 11 de setembro de 2001.

Na década seguinte ao atentado, quase US$ 100 bilhões foram gastos na área.

Nos últimos anos, a região da fronteira se tornou alternativa de negócios para o setor de defesa.


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