Folha de S. Paulo


É um ideal pelo qual estou disposto a morrer; disse Mandela em 64 (1ª parte)

Primeiro presidente negro da África do Sul (1994-99), Nelson Mandela passou 27 anos preso por se opor ao apartheid sul-africano.

Leia abaixo a primeira parte do discurso que ele fez do banco dos réus no chamado Julgamento de Rivônia, na Suprema Corte de Pretória, em 1964.

Mandela morreu nesta quinta-feira, aos 95 anos, em sua casa em Johannesburgo.

*

"Vossa Excelência, eu sou o primeiro réu.

Tenho diploma de bacharel em artes e pratiquei direito como advogado em Johannesburgo por vários anos, em parceria com o sr. Oliver Tambo, co-conspirador neste julgamento. Sou preso condenado, cumprindo pena de cinco anos por ter deixado o país sem autorização e por incitar pessoas a entrar em greve no final de maio de 1961.

Admito imediatamente que fui uma das pessoas que ajudou a formar o Umkhonto we Sizwe e que exerci um papel destacado nessa organização até ser detido, em agosto de 1962. Na declaração que estou prestes a fazer, vou corrigir certas impressões falsas que foram criadas por testemunhas do Estado; entre outras coisas, vou demonstrar que determinados atos citados nos depoimentos não foram e não poderiam ter sido cometidos pelo Umkhonto.

Também falarei sobre o relacionamento entre o Congresso Nacional Africano e o papel que eu, pessoalmente, exerci nos assuntos de ambas as organizações. Tratarei, também, do papel exercido pelo Partido Comunista. Para explicar estes assuntos corretamente, terei que explicar o que o Umkhonto se propôs a realizar; quais métodos prescreveu para alcançar esses objetivos, e as razões pelas quais esses métodos foram escolhidos. Também terei que explicar como eu me envolvi nas atividades dessas organizações.

Para começar, quero dizer que a sugestão feita pelo Estado na abertura de sua argumentação de que a luta na África do Sul sofre a influência de estrangeiros ou comunistas é inteiramente incorreta. Fiz o que quer que eu tenha feito, tanto como indivíduo quanto como líder de meu povo, devido à minha experiência na África do Sul e minha origem africana, da qual muito me orgulho, e não devido ao que qualquer pessoa de fora possa ter dito.

Em minha infância e juventude, no Transkei, ouvi os líderes mais velhos de minha tribo contando histórias dos tempos passados. Entre as histórias que eles me narravam estavam as das guerras travadas por nossos ancestrais na defesa da pátria. Os nomes de Dingane e Bambatha, Hintsa e Makana, Squngathi e Dalasile, Moshoeshoe e Sekhukhune, eram louvados, tratados como orgulho e glória de toda a nação africana. Eu esperava, então, que a vida pudesse me oferecer a oportunidade de servir a meu povo e fazer minha própria e humilde contribuição à sua luta pela liberdade. É isso o que me motivou e motiva em tudo o que tenho feito em relação às acusações feitas a mim neste julgamento.

Tendo dito isto, preciso tratar imediatamente e com alguns detalhes da questão da sabotagem. Algumas das coisas ditas à Corte até agora são verdadeiras e algumas são falsas. Contudo, não nego que eu tenha planejado sabotagem. Não a planejei num espírito de insensatez, nem porque eu tenha qualquer amor pela violência. Eu a planejei como resultado de uma avaliação calma e refletida da situação política criada após muitos anos de tirania, exploração e opressão de meu povo pelos brancos.

Nego, contudo, que o Umkhonto tenha sido responsável por uma série de atos que evidentemente não cabiam na política da organização, mas que foram citados no indiciamento feito contra nós. Não sei qual justificação houve para esses atos, nem sei quem os cometeu, mas, para demonstrar que não podem ter sido autorizados ou cometidos pelo Umkhonto, quero tratar brevemente das origens e da política da organização.

Já mencionei que fui uma das pessoas que ajudou a formar o Umkhonto. Eu e as outras pessoas que fundaram a organização o fizemos por duas razões. Primeiro, acreditávamos que, em consequência da política do governo, a violência perpetrada pelo povo africano se tornara inevitável e que, a não ser que fosse criada uma liderança responsável para canalizar e controlar os sentimentos de nosso povo, ocorreriam explosões de terrorismo que produziriam amargura e hostilidade entre as várias raças do país, numa intensidade que não é produzida nem mesmo pela guerra.

Em segundo lugar, sentimos que, sem sabotagem, não existiria uma via aberta ao povo africano para ter êxito em sua luta contra o princípio da supremacia branca. Todas as vias legais de expressar oposição a esse princípio tinham sido fechadas pela legislação, e fomos postos numa posição em que ou tínhamos que aceitar um estado permanente de inferioridade, ou desafiar o governo. Escolhemos desafiar o governo. Primeiro infringimos a lei de uma maneira que evitava qualquer recurso à violência; quando foi promulgada legislação contra essa forma, e quando o governo recorreu a uma exibição de força para sufocar a oposição a suas políticas, apenas então decidimos responder à violência com violência.

Mas a violência que optamos por adotar não era terrorismo. Nós, que formamos o Umkhonto, éramos todos membros do Congresso Nacional Africano e nos respaldávamos na tradição do CNA de não violência e negociação como meio de resolver disputas políticas. Acreditávamos que a África do Sul pertencia a todas as pessoas que nela viviam, e não a um grupo apenas, fosse ele negro ou branco.

Não desejávamos uma guerra inter-racial e procuramos até o último minuto evitá-la. Se a Corte nutre qualquer dúvida a esse respeito, será visto que a história inteira de nossa organização comprova o que eu disse e o que direi subsequentemente, quando eu descrever as táticas que o Umkhonto decidiu adotar. Quero, portanto, dizer algo sobre o Congresso Nacional Africano.

O Congresso Nacional Africano foi formado em 1912 para defender os direitos do povo africano que tinham sido gravemente limitados pela Lei da África do Sul e que estavam sendo ameaçadas pela Lei da Terra Nativa. Por 37 anos --ou seja, até 1949-- ele se ateve escrupulosamente à luta constitucional. Apresentou reivindicações e resoluções; enviou delegações ao governo, acreditando que as reivindicações africanas pudessem ser resolvidas por meio da discussão pacífica e que os africanos pudessem avançar gradualmente até obter direitos políticos plenos. Mas os governos brancos se mantiveram inabaláveis, e os direitos dos africanos foram reduzidos, ao invés de aumentarem.

Nas palavras de meu líder, o Chefe Luthuli, que tornou-se presidente do CNA e que mais tarde recebeu o Prêmio Nobel da Paz, abre aspas:

"Quem pode negar que 30 anos de minha vida foram passados batendo em vão, pacientemente, moderadamente e modestamente numa porta fechada e gradeada? Quais foram os frutos da moderação? Nos últimos 30 anos foi promulgado o maior número de leis que restringem nossos direitos e nosso progresso, até que hoje chegamos a um estágio em que praticamente não temos direito algum." Fecha aspas.

Mesmo depois de 1949, o CNA continuou determinado a evitar a violência. Neste ponto, contudo, houve uma mudança em relação aos meios de protesto estritamente constitucionais adotados no passado. A mudança se revelou numa decisão tomada para protestar contra a legislação do apartheid com manifestações públicas pacíficas, mas ilegais, contra determinadas leis.

Dentro desta política o CNA lançou a Campanha de Desafio, na qual eu fui encarregado de comandar os voluntários. Esta campanha era baseada nos princípios da resistência passiva. Mais de 8.500 pessoas desafiaram as leis do apartheid e foram à prisão. Mas não houve uma única instância de violência nesta campanha. Eu e 19 colegas fomos condenados por essa atuação, e a condenação foi feita pela Lei de Supressão do Comunismo, embora nossa campanha não guardasse relação alguma com o comunismo, mas nossas sentenças foram suspensas, principalmente porque o juiz constatou que a disciplina e a não violência tinham sido enfatizados todo o tempo.

Foi nessa época que se criou a seção voluntária do CNA e que a palavra "Amadelakufa" primeiro foi usada; foi nessa época que se pediu aos voluntários que prestassem um juramento, comprometendo-se a defender certos princípios. Foram apresentadas neste julgamento evidências relativas aos voluntários e seus juramentos, mas foram apresentadas completamente fora de contexto. Os voluntários não eram e não são soldados de um exército negro que juraram travar uma guerra civil contra os brancos. Eles eram e são trabalhadores dedicados que estão dispostos a liderar campanhas iniciadas pelo CNA para distribuir folhetos, organizar greves e fazer o que for preciso na campanha específica. Foram chamados voluntários porque se dispõem voluntariamente a enfrentar as penalidades de prisão e açoitamento agora prescritas para tais atos pela legislação.

Durante a Campanha de Desafio foram aprovadas a Lei de Segurança Pública e a Lei de Emenda à Lei Criminal. Esses estatutos previam penalidades mais duras por violações cometidas a título de protesto contra leis. Apesar disso, os protestos continuaram, e o CNA aderiu à sua política de não violência.

Em 1956, 156 membros da liderança da Aliança do Congresso, entre os quais eu estava incluído, fomos presos, acusados de traição do Estado e acusações dentro da Lei de Supressão do Comunismo. A política não violenta do CNA foi questionada pelo Estado, mas, quando a Corte anunciou seu julgamento, cerca de cinco anos mais tarde, concluiu que o CNA não tinha uma política de violência. Fomos absolvidos de todas as acusações, entre elas a de que o CNA teria tentado criar um Estado comunista em lugar do regime atual. O governo sempre procurou difamar, sempre procurou rotular todos seus adversários de comunistas. Esta alegação foi repetida no processo atual, mas, como demonstrarei, o CNA não é e nunca foi uma organização comunista.

Em 1960 ocorreu o massacre de Sharpeville, que resultou na proclamação do estado de emergência e a declaração de que o CNA era uma organização ilegal. Após consideração cuidadosa, meus colegas e eu decidimos não obedecer a esse decreto.

O povo africano não era parte do governo e não fazia as leis pelas quais era governado. Acreditávamos nas palavras da Declaração Universal dos Direitos Humanos de que "a vontade do povo será a base da autoridade do governo", e, para nós, aceitar a proibição do CNA equivaleria a aceitar que o povo africano fosse silenciado para sempre. O CNA se negou a ser dissolvido, e ao invés disso foi para a clandestinidade. Acreditávamos que era nosso dever preservar essa organização que tinha sido erguida com quase 50 anos de trabalho incansável. Não tenho dúvida de que nenhuma organização política branca que se respeitasse se dissolveria se fosse declarada ilegal por um governo em que não tivesse voz.

Quero tratar agora, Vossa Excelência, das evidências que distorcem a posição verdadeira deste caso. Em algumas das evidências apresentadas, o Plano-M (Plano Mandela) foi completamente deturpado. Esse plano não passou de um método de organização planejado em 1953 e posto em ação a partir de então, com graus diferentes de êxito. A partir de abril de 1960 foi preciso criar novos métodos, por exemplo recorrendo a comitês menores. O Plano-M foi citado em evidências apresentadas no julgamento por traição, mas não teve relação alguma com sabotagem ou com o Umkhonto we Sizwe, e nunca foi adotado pelo Umkhonto.

Creio que o mal-entendido, especialmente por parte de certas testemunhas vindas do Cabo Oriental, se deva ao uso da palavra ou frase "Alto Comando". O termo foi cunhado em Port Elizabeth durante a Emergência, quando a maioria dos líderes do CNA foi encarcerada, e o Comitê Prisional criado para tratar das queixas recebeu o nome de Alto Comando. Depois da Emergência esse nome continuou e foi usado para descrever determinados dos comitês do CNA na região. Assim, temos testemunhas falando do Alto Comando de West Bank e do Alto Comando de Port Elizabeth.

Esses chamados "Altos Comandos" surgiram antes da formação do Umkhonto e não tinham relação alguma com sabotagem. Na verdade, como explicarei mais adiante, o Umkhonto, como organização, foi mantido separado do CNA, na medida do possível. Isso explica, Vossa Excelência, por que pessoas como Bennett Mashiyane e Reginald Ndube não ouviram falar nada sobre sabotagem nas reuniões às quais estiveram presentes. Mas, como já foi dito, o uso da frase "Alto Comando" causou alguns desentendimentos nos círculos do CNA na Província Oriental.

Viajei para lá em 1961 porque foi alegado que alguns desses chamados "Altos Comandos" estariam usando de coerção para implementar o novo Plano. Não encontrei provas disso, mas proibi o uso da coerção, mesmo assim, e insisti que o termo "Alto Comando" não fosse usado para referir-se a nenhum comitê do CNA. Minha visita e as discussões que ocorreram foram descritas por Zizi Njikelane, e admito a veracidade da evidência dele, no que me diz respeito. Embora isso não pareça ter muita relevância, nego que eu tenha sido levado à reunião pelo motorista de táxi John Tshingane e também nego que eu tenha ido ao mar com ele.

Meritíssimo, quero falar agora das causas imediatas. Em 1960 o governo promoveu um referendo que levou à criação da República. Os africanos, que constituíam aproximadamente 70% da população sul-africana, não tiveram direito ao voto e nem sequer foram consultados sobre a mudança constitucional proposta. Todos nós ficamos apreensivos em relação ao nosso futuro sob a república branca proposta, e foi tomada a resolução de promover uma Conferência Africana inclusiva para convocar uma Convenção Nacional e, se o governo não convocasse a Convenção, de organizar manifestações em massa na véspera da instituição da República indesejada.

Participaram da conferência africanos de vertentes políticas diversas. Eu fui secretário honorário da Conferência e me responsabilizei por organizar a greve nacional convocada subsequentemente para coincidir com a declaração da República. Como todas as greves de africanos são ilegais, a pessoa que organiza tal greve precisa evitar ser presa. Eu fui escolhido para ser essa pessoa; consequentemente, tive que deixar minha casa, minha família e meu trabalho e mergulhar na clandestinidade para evitar ser preso.

Em conformidade com a política do CNA, a greve seria uma manifestação pacífica. Foram passadas aos organizadores e membros instruções cuidadosas para que evitassem qualquer recurso à violência. A resposta do governo foi instituir leis novas e mais duras, mobilizar suas forças armadas e enviar às "townships" (áreas habitadas exclusivamente por não brancos, na periferia das grandes cidades) Saracens (veículos blindados de transporte de tropas), veículos armados e soldados, numa exibição maciça de força cujo objetivo era intimidar a população. Era um sinal de que o governo tinha decidido governar exclusivamente pela força, e essa decisão foi um marco no caminho que levou à criação do Umkhonto.

Parte disto pode parecer irrelevante ao presente julgamento. Na realidade, creio que nada disso é irrelevante porque, espero, isso dará à Corte condições de apreciar a atitude em relação ao Umkhonto que acabou sendo adotada pelos diversos organismos e pessoas envolvidos no movimento de libertação nacional. Quando fui à prisão, em 1962, a ideia dominante era que deveria ser evitada a perda de vidas. Hoje sei que essa ideia ainda era dominante em 1963.

Mas preciso retornar a junho de 1961, Meritíssimo. O que nós, os líderes de nosso povo, devíamos fazer? Devíamos ceder diante da prova de força e da ameaça implícita contra ações futuras, ou deveríamos opor resistência, e, se sim, como?

Não tínhamos dúvida de que precisávamos continuar com a luta. Qualquer outra coisa teria sido uma rendição abjeta. Nosso problema, Meritíssimo, não era decidir se lutar ou não, mas decidir como levar a luta adiante. Nós, do CNA, sempre tínhamos defendido uma democracia não baseada em considerações raciais; repudiávamos qualquer ação que pudesse levar as raças a distanciar-se ainda mais do que já estavam. Mas a verdade nua e crua era que 50 anos de não violência tinham dado ao povo africano nada a não ser mais e mais legislação repressora e cada vez menos direitos.

Pode não ser fácil para esta Corte compreendê-lo, mas é fato que o povo vinha havia muito tempo falando em violência --falando sobre o dia em que ele combateria o homem branco e reconquistaria seu país--, e nós, os líderes do CNA, sempre tínhamos, não obstante, convencido o povo a evitar a violência e buscar métodos pacíficos. Em junho de 1961, quando alguns de nós discutimos essa questão, mostrou-se inegável que nossa política de conquistar um Estado não racial através da não violência não tinha resultado em nada e que nossos seguidores estavam começando a perder a confiança nessa política e estavam desenvolvendo ideias perturbadoras de terrorismo.

Não se deve esquecer, Vossa Excelência, que neste momento a violência já havia, na prática, se tornado elemento comum no cenário político sul-africano. Houve violência em 1957, quando as mulheres de Zeerust receberam a ordem de portar passes; houve violência em 1958, com a implementação da Lei das Autoridades Bantus (que oficializou os bantustões) e o abate em grande escala de gado em Sekhukhuneland; houve violência em 1959, quando os moradores de Cato Manor protestaram contra o confisco dos passes; houve violência em 1960, quando o governo tentou impor a Lei das Autoridades Bantus em Pondoland. Trinta e nove africanos morreram nesses distúrbios em Pondoland. Em 1961 houve revoltas em Warmbaths, e durante todo esse tempo, Meritíssimo, o Transkei vinha sendo palco de turbulência violenta.

Cada revolta apontava claramente para o inevitável crescimento entre os africanos da ideia de que a violência era a única saída --mostrava que um governo que emprega a força para manter seu domínio ensina os oprimidos a empregar a força para opor-se a ele. Já tinham surgido nas áreas urbanas grupos pequenos que espontaneamente traçavam planos para formas violentas de luta política. Agora surgiu o perigo de que esses grupos, se não fossem corretamente direcionados, adotassem o terrorismo contra africanos, além de contra brancos.

Era especialmente perturbadora a espécie de violência gerada entre africanos em lugares como Zeerust, Sekhukhuneland e Pondoland. Cada vez mais, essa violência assumia a forma não de uma luta contra o governo --embora fosse isso que a tivesse desencadeado--, mas de uma luta civil entre chefes pró-governo e aqueles que se opunham a eles, uma luta conduzida de maneira tal que não poderia esperar realizar nada exceto mortes e amargura.

No início de junho de 1961, depois de uma avaliação demorada e ansiosa da situação sul-africana, eu e alguns colegas concluímos que, como a violência [neste país - inaudível] era inevitável, seria irrealista e errado que líderes africanos continuassem a pregar a paz e a não violência num momento em que o governo continuava a responder com a força às nossas reivindicações pacíficas.

Não foi fácil chegar a essa conclusão, Meritíssimo. Foi quando todas as outras opções tinham fracassado, quando todos os canais de protesto pacífico nos tinham sido barrados, que foi tomada a decisão de iniciar formas violentas de luta e de formar o Umkhonto we Sizwe. Nós o fizemos não porque desejássemos esse rumo, mas unicamente porque o governo não nos deixara outra escolha. No Manifesto do Umkhonto, divulgado no dia 16 de dezembro de 1961 e que é o item AD apresentado como evidência, dissemos, abre aspas:

"Chega um momento na vida de qualquer nação em que restam apenas duas escolhas: submeter-se ou lutar. Esse momento agora chegou para a África do Sul. Não nos submeteremos, e não temos outra escolha senão resistir com todos os meios que temos ao nosso alcance, em defesa de nosso povo, nosso futuro e nossa liberdade." Fecha aspas.

Foi esse nosso sentimento em junho de 1961, quando decidimos buscar uma mudança na política do movimento de libertação nacional. Só posso dizer que me senti moralmente obrigado a fazer o que fiz.

Nós, que tínhamos tomado essa decisão, começamos a consultar líderes de várias organizações, incluindo o CNA. Não direi com quem falamos, nem o que disseram as pessoas com quem falamos, mas quero tratar do papel do Congresso Nacional Africano nesta fase da luta e da política e dos objetivos do Umkhonto we Sizwe.

No que diz respeito ao CNA, ele desenvolveu uma visão clara que pode ser resumida da seguinte forma:

a) Era uma organização política de massas com uma função política a exercer. Seus membros tinham ingressado nela baseados na política expressa de não violência.

b) Por essa razão, o CNA não podia empreender atos violentos e não o faria. É preciso destacar esse ponto. Não é possível converter um organismo como esse na organização pequena e fortemente coesa que é necessária para praticar sabotagem. Isso tampouco seria politicamente correto, porque resultaria em membros deixando de realizar a atividade essencial que é a propaganda e organização política. Tampouco seria permissível modificar a natureza inteira da organização.

c) Por outro lado, em vista desta situação que descrevi, o CNA estava disposto a desviar-se de sua política de não violência, que vinha seguindo havia 50 anos, deixando de desaprovar a sabotagem corretamente controlada. Assim, seus membros que empreendessem tal atividade não seriam sujeitos a ações disciplinares pelo CNA.

Digo "sabotagem corretamente controlada" porque deixei claro que, se eu ajudasse a formar a organização, eu a sujeitaria sempre à orientação política do CNA e não empreenderia qualquer forma diferente de atividade que a contemplada sem o consentimento do CNA. E agora contarei à Corte como essa forma de violência veio a ser determinada.

[Voz não identificada diz: "Veio a ser determinada".]

Como resultado dessa decisão foi formado o Umkhonto em 1961, em novembro de 1961. Quando tomamos essa decisão, e quando subsequentemente traçamos nossos planos, a herança do CNA de não violência e harmonia racial estava conosco. Sentíamos que o país escorregava em direção a uma guerra civil em que negros e brancos se enfrentariam. [A fita parece pular.] [Nós víamos] a situação com preocupação.

Uma guerra civil significaria a destruição daquilo que o CNA representava; com uma guerra civil, seria mais difícil que nunca conquistar a paz racial. Já tínhamos exemplos na história sul-africana dos resultados de guerras. As feridas deixadas pela Guerra Sul-Africana levaram mais de 50 anos para desaparecer. Quanto tempo mais seria preciso para erradicar as feridas de uma guerra civil inter-racial, que não poderia ser travada sem grande perda de vidas de ambos os lados?

O desejo de evitar uma guerra civil tinha dominado nosso pensamento por muitos anos, mas, quando decidimos adotar a sabotagem como parte de nossa política, percebemos que algum dia poderíamos ter que enfrentar a perspectiva de uma guerra desse tipo. Isso precisava ser levado em conta na formulação de nossos planos. Precisávamos de um plano que fosse flexível e que nos permitisse agir segundo as necessidades impostas pelos tempos; sobretudo, o plano deveria reconhecer a guerra civil como o derradeiro recurso e relegar a decisão sobre essa questão ao futuro. Não queríamos nos comprometer com uma guerra civil, mas queríamos estar preparados se ela se tornasse inevitável.

Quatro formas de violência são possíveis. Há a sabotagem, há a guerra de guerrilha, há o terrorismo e há a revolução declarada. Optamos por adotar o primeiro método e colocá-lo plenamente à prova antes de tomar qualquer outra decisão.

Foi a escolha lógica, à luz de nosso passado político. A sabotagem não envolvia perda de vidas e oferecia a melhor chance para as relações raciais futuras. A amargura seria reduzida ao mínimo, e, se a política tivesse frutos, o governo democrático se tornaria realidade. Era isso o que pensávamos na época e foi isso o que dissemos em nosso Manifesto, item de evidência AD. Abre aspas:

"Nós, do Umkhonto we Sizwe, sempre procuramos alcançar a libertação sem derramamento de sangue e conflito civil. Esperamos, mesmo neste momento tardio, que nossas primeiras ações levem todos a compreender a situação desastrosa à qual a política do Partido Nacional está conduzindo. Esperamos levar o governo e seus partidários a recobrarem o juízo antes que seja tarde demais, de modo que tanto o governo quanto suas políticas possam ser mudados antes de a situação chegar ao estado desesperador da guerra civil." Fecha aspas.

O plano inicial foi baseado numa análise cuidadosa da situação política e econômica de nosso país. Acreditávamos que a África do Sul dependia, em grande medida, do capital externo e comércio externo. Pensamos que, se planejássemos a destruição de usinas elétricas e a obstrução do transporte ferroviário e das comunicações telefônicas, isso tenderia a afastar o capital do país, dificultando a chegada de bens das áreas industriais aos portos marítimos dentro dos cronogramas previstos, e que assim, no longo prazo, isso imporia um ônus forte à vida econômica do país, desse modo forçando os eleitores do país a rever sua posição.

Os ataques às linhas de comunicação vitais do país seriam vinculados a atos de sabotagem contra edifícios do governo e outros símbolos do apartheid. Esses ataques serviriam de fonte de inspiração para nosso povo e o incentivariam a participar em ações não violentas de massa, como greves. Além disso, proporcionariam uma válvula de escape às pessoas que defendiam a adoção de métodos violentos e nos possibilitariam oferecer a nossos seguidores uma prova concreta de que tínhamos adotado uma posição mais forte e que estávamos resistindo à violência do governo.

Ademais, se as ações de massa fossem organizadas com êxito, e se fossem lançadas represálias de massa, pensamos que a solidariedade com nossa causa seria despertada em outros países e que seria exercida pressão maior sobre o governo sul-africano.

Portanto, esse era o plano, Meritíssimo. O Umkhonto realizaria sabotagem, e desde o início seus membros receberam instruções estritas de que por motivo algum deveriam ferir ou matar pessoas no planejamento ou realização das operações. Essas instruções foram citadas nas provas referentes a "X" e "Z".

Os assuntos do Umkhonto eram controlados e dirigidos por um Alto Comando Nacional que tinha poderes de cooptação e que podia nomear Comandos Regionais, como de fato fez. O Alto Comando era o organismo que determinava as táticas e os alvos e era encarregado do treinamento e das finanças. Sob a égide do Alto Comando havia os Comandos Regionais, responsáveis pela direção dos grupos de sabotagem locais.

Dentro da estrutura da política traçada pelo Alto Comando, os Comandos Regionais possuíam a autoridade de selecionar os alvos a serem atacados. Eles não tinham autoridade alguma além do contexto prescrito e, portanto, não tinham autoridade para lançar ações que colocassem vidas em risco ou que não se enquadrassem no plano global de sabotagem. Por exemplo, os membros do Umkhonto eram proibidos terminantemente de irem armados ao participar de operações. Incidentalmente, os termos Alto Comando e Comando Regional foram importados da organização clandestina nacional judaica Irgun Zvai Leumi, que operou em Israel entre 1944 e 1948.

O Umkhonto realizou sua primeira operação em 16 de dezembro de 1961, quando foram atacados prédios governamentais em Johannesburgo, Port Elizabeth e Durban. A escolha dos alvos é prova da política que descrevi acima. Tivéssemos pretendido atacar vidas, teríamos selecionado alvos onde pessoas se congregavam, e não prédios vazios e usinas elétricas. A sabotagem cometida anteriormente a 16 de dezembro de 1961 foi obra de grupos isolados e não teve ligação alguma com o Umkhonto. De fato, Meritíssimo, alguns desses atos e vários atos posteriores foram reivindicados por outras organizações.

Vossa Excelência, quero agora falar muito rapidamente de uma série de recortes de jornais.

Juiz De Wet: Sim, bem, antes de falar disso [inaudível] farei o recesso.

Eu estava prestes a pedir a Vossa Excelência que olhasse para uma série de recortes de jornais. [Juiz: Sim] Não é minha intenção, Meritíssimo, entregá-los [Juiz: Sim], quero apenas usá-los [Juiz: Sim] para ilustrar a questão que expliquei, que antes de dezembro de 1961 era fato amplamente sabido nas townships e em todo o país que existiam vários organismos outros que o Umkhonto que planejavam e realizavam atos de sabotagem, e que alguns dos atos ocorridos durante o período coberto pelo indiciamento foram, de fato, reivindicados por algumas dessas organizações.

O primeiro recorte de jornal ao qual quero chamar a atenção de Vossa Excelência é do "Rand Daily Mail" de 22 de dezembro de 1961. O título de um artigo que aparece na primeira página, Meritíssimo, diz: "Detonamos duas torres de alta tensão, afirma grupo".

E quero chamar a atenção de Vossa Excelência para dois trechos:

"A explosão de duas torres de alta tensão em Rembrandt Park, Johannesburgo, na noite de quarta-feira, foi reivindicado pelo Comitê Nacional de Libertação em documento escrito à máquina numa folha de papel comum, colocado na noite de quarta-feira ou madrugada de ontem na caixa de coleta do fundo para o Natal do 'Rand Daily Mail'."

E o penúltimo trecho do artigo diz: "A declaração diz que o CNL não é alinhado ao ['o Assegai da Nação' - inaudível]" --presumo, Meritíssimo, que seja a Lança da Nação, que é a tradução de Umkhonto we Sizwe. "O grupo reivindica responsabilidade pelos ultrajes cometidos com bombas no fim de semana. Embora ambos apóiem o movimento libertário, o CNL é não racial, foi declarado."

Esse é o primeiro recorte que quero mostrar a Vossa Excelência. O segundo é também do "Rand Daily Mail", de 15 de abril de 1963, e o artigo ao qual quero chamar sua atenção está na página 2. É um artigo muito curto, Meritíssimo, farei sua leitura. O título é:

"Quarenta e três detidos por incidente com coquetéis Molotov. Quarenta e três africanos se encontram sob custódia da polícia de Johannesburgo em conexão com o ataque da semana passada com coquetéis Molotov contra uma loja na rua Pritchard, em Johannesburgo. A maioria dos africanos foi presa nas townships a sudoeste de Johannesburgo. Eles teriam ameaçado um vigia, depois de lhe dizer que queriam roubar roupas da loja. A polícia declarou que cinco outros africanos foram presos nas proximidades de King William's Town após o ataque da semana passada à delegacia de polícia da cidade. Com isso, o número total de prisões chega a 41. Os africanos detidos após os dois incidentes seriam membros da organização Poqo. Embora se acredite que vários outros integrantes do Poqo tenham sido presos no Reef e em outras áreas, o número de detidos não foi informado na noite de ontem. A polícia [a gravação parece ter pulado] [continua a investigar], e ainda não é possível informar o número total dos suspeitos do Poqo detidos até agora."

O terceiro recorte, Vossa Excelência, é novamente do "Rand Daily Mail", este de 9 de novembro de 1963. E o artigo em questão aparece na página 10, Meritíssimo. Vossa Excelêcia provavelmente se recorda desse assunto. Ele foi mencionado durante a argumentação sobre o segundo pedido de revogação do indiciamento. Tanto o Estado quanto a defesa aludiram ao julgamento presidido pelo Juiz Van Heerden, da Divisão Provincial do Cabo.

Os réus nesse processo, Meritíssimo, foram detidos em 12 de julho de 1963, segundo o relato do jornal, e presumivelmente por atos que teriam sido cometidos no período anterior a 12 de julho de 1963. E suponho que isso cubra o período coberto pelo indiciamento. Isso se relaciona com o que é conhecido como o Clube de Guerra de Guerrilha Yu Chi Chan. E, segundo este artigo, cuja leitura não farei a Vossa Excelência, mas quero apenas mencionar que eles estavam preparando uma revolução e guerra de guerrilha.

Quero chamar sua atenção para uma cópia fotostática do "Rand Daily Mail" de 29 de novembro de 1962. Não conseguimos um exemplar original do jornal. O artigo ao qual me refiro aparece na primeira página. Quero chamar sua atenção para apenas dois trechos. O título diz:

"Polícia é colocada em estado de alerta após explosão no Rand. A Polícia de Segurança ontem estendeu um cordão leve e apertado em volta de uma torre de alta tensão Eskom que foi dinamitada na madrugada, obstruindo a passagem dos trens a Germiston e Pretoria. Um porta-voz sênior da polícia disse, abre aspas, 'não há dúvida de que foi sabotagem'", fecha aspas.

E o último parágrafo diz como segue: "Uma mulher telefonou ao 'Rand Daily Mail' na noite de ontem e disse, abre aspas: 'A explosão em Putfontein ontem à noite foi obra do Comitê Nacional de Libertação', fecha aspas, e então desligou o telefone".

Em outras palavras, Meritíssimo, houve uma série de organizações que planejaram e realizaram atos de sabotagem durante o período coberto pelo indiciamento.

Bem, Meritíssimo, o Manifesto do Umkhonto foi divulgado no dia em que as operações começaram. A resposta da população branca às nossas ações e ao Manifesto foi caracteristicamente violenta. O governo ameaçou reagir com força e exortou seus seguidores a se manterem firmes e ignorar as reivindicações dos africanos. Os brancos não reagiram sugerindo mudanças; reagiram a nosso chamado pedindo reforços armados.

Contrastando com isso, a resposta dos africanos foi de incentivo. De repente havia esperança outra vez. Algo estava acontecendo. As pessoas nas "townships" começaram a buscar ansiosamente as notícias políticas. Grande entusiasmo foi gerado pelos êxitos iniciais, e as pessoas começaram a especular sobre em quanto tempo seria conquistada a liberdade.

Mas nós do Umkhonto pesamos a resposta dos brancos com ansiedade. As linhas de combate estavam sendo traçadas. Brancos e negros estavam se movendo para campos separados, e as perspectivas de evitar uma guerra civil estavam diminuindo. Os jornais brancos divulgavam relatos dizendo que atos de sabotagem seriam punidos com a morte. Se fosse assim, como poderíamos continuar a evitar que os africanos se voltassem ao terrorismo?

Quero agora, Meritíssimo, falar da questão da guerra de guerrilha e de como ela chegou a ser cogitada. Até 1961, inúmeros africanos já tinham morrido em decorrência de atritos raciais. Em 1920, quando o famoso líder Masabalala foi encarcerado na cadeia de Port Elizabeth, 24 integrantes de um grupo de africanos que se reunira para exigir sua soltura foram mortos pela polícia e por civis brancos. Mais de cem africanos morreram no caso Bulhoek. Em 1924, mais de 200 africanos foram mortos quando o administrador da África do Sudoeste liderou uma força contra um grupo que se rebelou contra a imposição do imposto sobre cães. No dia 1º de maio de 1950, 18 africanos morreram em consequência de tiros disparados pela polícia durante a greve. Em 21 de março de 1960, 69 africanos desarmados morreram em Sharpeville.

Quantos outros Sharpevilles haveria na história de nosso país? E quantos outros Sharpevilles o país suportaria sem que a violência e o terror se tornassem comuns e corriqueiros? E o que aconteceria com nosso povo quando se chegasse a esse estágio? Tínhamos a certeza de que conseguiríamos nosso intento no longo prazo, mas a que custo para nós e para o resto do país? E, se isso acontecesse, como seria possível negros e brancos algum dia conviverem em paz e harmonia? Esses eram os problemas que tínhamos pela frente, e essas foram nossas decisões.

A experiência nos convenceu que a rebelião proporcionaria ao governo oportunidades ilimitadas para o massacre indiscriminado de nosso povo. Mas foi precisamente porque o solo da África do Sul já está encharcado com o sangue de africanos inocentes que sentimos ser nosso dever fazer preparativos, como empreendimento de longo prazo, para usar a força para nos defendermos contra a força.

Se a guerra se tornasse inevitável, queríamos estar prontos quando chegasse a hora e queríamos que o combate fosse travado nos termos mais favoráveis ao nosso povo. O combate que oferecia as melhores perspectivas para nós e o menor risco de perdas de vidas de ambos os lados era a guerra de guerrilha. Decidimos, portanto, em nossos preparativos para o futuro, tomar medidas para nos prepararmos para a possibilidade de uma guerra de guerrilha.

Todos os brancos passam por treinamento militar obrigatório, mas nenhum treinamento dessa natureza é dado a africanos. Era, a nosso ver, essencial formar um núcleo de homens treinados que fossem capazes de proporcionar a liderança que seria necessária se começasse uma guerra de guerrilha. Precisávamos nos preparar para tal situação antes que fosse tarde demais para fazer preparativos apropriados. Também era necessário formar um núcleo de homens treinados na administração civil e em outras profissões, para que africanos tivessem o preparo necessário para participar do governo deste país, assim que isso lhes fosse permitido.

Nesse ponto, Meritíssimo, o CNA decidiu que eu deveria participar da Conferência do Movimento de Liberdade Pan-Africana para a África Central, Oriental e Meridional (PAFMECSA), que seria realizada em 1962 em Adis Abeba. E também foi decidido que após a conferência eu faria um giro por Estados africanos, com vistas a pedir apoio à nossa causa e obter bolsas de estudo para o ensino superior de africanos matriculados. Ao mesmo tempo o MK (o Umkhonto) decidiu que eu deveria pesquisar se havia instalações disponíveis para o treinamento de soldados, que seria a primeira etapa na preparação para a guerra de guerrilha.

Seria necessário o treinamento nas duas áreas (ensino superior e treinamento militar), mesmo que as transformações na África do Sul acontecessem por meios pacíficos. Como expliquei, seriam necessários administradores que tivessem disposição e capacidade de administrar um Estado não racial, e também seriam necessários homens para controlar o exército e a força policial de tal Estado.

Foi com esse objetivo em vista que deixei a África do Sul para viajar a Adis Abeba como delegado do CNA. Minha viagem foi bem-sucedida, superando todas nossas expectativas. Fui recebido em todos os lugares com cordialidade e promessas de ajuda.

Toda a África estava unida contra a postura da África do Sul branca, e até mesmo em Londres fui recebido com grande simpatia por líderes políticos, como o falecido sr. Hugh Gaitskell e o sr. Grimond. Na África, recebi promessas de apoio de homens como Julius Nyerere, hoje presidente de Tanganika; o sr. Kawawa, então primeiro-ministro de Tanganika; o imperador da Etiópia, Hailé Selassié; o general Abboud, presidente do Sudão; Habib Bourguiba, presidente da Tunísia; Ben Bella, atual presidente da Argélia; Modibo Keita, presidente do Mali; Leopold Senghor, presidente do Senegal; Sekou Toure, presidente da Guiné; o presidente Tubman, da Libéria; Milton Obote, primeiro-ministro de Uganda, e Kenneth Kaunda, hoje primeiro-ministro da Rodésia do Norte. Foi Ben Bella quem me convidou a visitar Oujda, o quartel-general do Exército de Libertação Nacional argelino. A descrição da visita consta de meu diário, uma das provas apresentadas.

Eu já havia começado a estudar a arte da guerra e da revolução e, enquanto estava no exterior, fiz um curso de treinamento militar. Se houvesse uma guerra de guerrilha, eu queria ser capaz de lutar ao lado de meu povo e dividir os perigos da guerra com ele. As anotações de aulas que recebi na Etiópia e Argélia constam dos itens apresentados como evidências.

Também foram apresentados resumos de livros sobre guerra de guerrilha e estratégia militar. Já admiti que esses documentos estão escritos em minha letra, e admito que fiz esses estudos para me equipar para o papel que talvez tivesse que desempenhar se a luta se convertesse em guerra de guerrilha. Abordei essa questão do modo como todo nacionalista africano deve. Fui completamente objetivo. A Corte verá que procurei examinar todos os tipos de autoridades sobre o assunto --do Oriente e do Ocidente, voltando atrás para a obra clássica de Clausewitz e cobrindo uma diversidade como Mao Tsetung e Che Guevara, de um lado, e, do outro, os textos escritos sobre as Guerras dos Bôeres. É evidente, Meritíssimo, que essas anotações são apenas resumos dos livros que li. Não contêm minhas opiniões pessoais.

Também tomei providências para nossos recrutas passarem por treinamento militar. Mas aqui, Meritíssimo, foi impossível organizar qualquer esquema sem a cooperação dos escritórios do CNA na África. Consequentemente, obtive do CNA na África do Sul a permissão para fazê-la. Nessa medida, portanto, houve um desvio em relação à decisão original do CNA de que ele não participaria de métodos de luta violentos, mas esse desvio se aplicou unicamente fora da África do Sul. O primeiro grupo de recrutas de fato chegou a Tanganika no momento em que eu passava por esse país, já de retorno à África do Sul.

Retornei à África do Sul e apresentei a meus colegas um relatório sobre os resultados de minha viagem. Ao voltar, descobri que pouca coisa havia mudado no cenário político, exceto pelo fato de que a ameaça de pena de morte para sabotagem agora se concretizara.

A atitude de meus colegas no Umkhonto era em grande medida a mesma de antes de minha partida. Eles estavam agindo cautelosamente, ainda tateando, e acreditavam que ainda se passaria muito tempo antes de serem esgotadas as possibilidades da sabotagem. O CNA também não havia mudado de atitude.

Na realidade, Meritíssimo, a opinião expressa por alguns foi que o treinamento de recrutas era prematuro. Esse fato foi registrado por mim no documento apresentado como item de evidência R14, formado por anotações muito informais de comentários feitos por outros após uma discussão completa durante a reunião para apresentar meu relatório de viagem. Contudo, foi decidido seguir adiante com os planos de treinamento militar, porque levaria tantos anos para formar um núcleo de soldados treinados que fosse suficiente para iniciar uma campanha guerrilheira, e porque, acontecesse o que acontecesse, o treinamento teria valor.

Quero falar agora de algumas das provas da testemunha "X". Imediatamente antes de minha prisão em agosto de 1962, me reuni com membros do Comando Regional em Durban. Esse encontro foi tratado no depoimento de "X". Boa parte do relato dele é substancialmente correta, mas boa parte dele é enviesada e distorcida, e em alguns pontos seu relato é inverídico. Quero falar o mais brevemente possível do depoimento dado por ele.

a) Eu de fato disse que tinha saído do país no início do ano para assistir à conferência da PAFMECSA e que a conferência foi aberta pelo imperador Hailé Selassié, que atacou as políticas raciais do governo sul-africano e prometeu apoio ao povo africano deste país. Também informei a eles da resolução unânime condenando o tratamento brutal dado ao povo africano aqui e prometendo apoio. Eu disse a eles que o imperador enviou suas felicitações mais calorosas ao meu líder, o chefe Luthuli.

b) Mas eu nunca falei a eles sobre qualquer comparação traçada entre ganenses e recrutas sul-africanos, nem poderia tê-lo feito, por razões muito simples. Quando deixei a Etiópia, os primeiros recrutas sul-africanos ainda não tinham chegado a esse país. E os soldados ganenses, pelo que sei, foram treinados no Reino Unido. Sendo essa a verdade e meu entendimento dela, eu não poderia em hipótese alguma ter cogitado em dizer ao Comando Regional que o imperador da Etiópia achou nossos recrutas em formação melhor que os ganenses.

c) Essas declarações, portanto, são pura invenção, a não ser que tenham sido sugeridas a "X" por alguém desejoso de criar uma versão falsa dos fatos.

d) Eu de fato falei a eles do apoio financeiro recebido na Etiópia e em outras partes da África. Com toda certeza eu não disse a "X" que determinados Estados africanos nos haviam prometido 1% de seus orçamentos. Tais sugestões de doação de 1% em momento algum foram feitas durante minha visita. Essa sugestão surgiu pela primeira vez, que eu saiba, na conferência de maio de 1963, quando eu já estava na prisão havia dez meses.
e) Apesar de "X" alegar não se recordar disso, falei de bolsas de estudos prometidas na Etiópia. Como já mencionei antes, essa educação geral de nosso povo sempre foi um aspecto importante de nosso plano.

f) Falei realmente a eles que tinha viajado pela África e tinha sido recebido por vários chefes de Estado, citando todos eles pelo nome. Também lhes contei sobre o convite que o presidente Ben Bella me fez para ir a Oujda, onde encontrei oficiais do exército argelino, incluindo o comandante em chefe do exército, coronel Boumedienne. E disse que os argelinos nos prometeram assistência com treinamento e armas. Mas com toda certeza eu não afirmei que eles deveriam ocultar o fato de serem comunistas, porque eu não sabia se eram comunistas ou não. O que eu disse é que nenhum comunista deveria utilizar sua posição no Umkhonto para fazer propaganda comunista, nem na África do Sul nem fora do país, porque o objetivo único é essencial para a conquista da liberdade. O que visávamos era o voto para todos, e com base nisso podíamos apelar a todos os grupos sociais da África do Sul e esperar o máximo de apoio dos Estados africanos.

g) Foi nesse contexto que comentei sobre o "New Age" e sua crítica do governo egípcio. Ao falar de minha visita ao Egito, eu disse que ela coincidiu com a do marechal Tito e que eu não tinha podido esperar até o general Nasser ter tempo de me receber. Disse que as autoridades com quem falei criticaram artigos publicados no "New Age" tratando dos ataques do general Nasser ao comunismo. Mas que eu lhes tinha falado que o "New Age" não necessariamente expressava a política de nosso movimento e que eu procuraria transmitir essa queixa ao "New Age", procurando usar minha influência para fazê-lo mudar seu discurso, porque não cabe a nós dizermos de que maneira qualquer Estado deve conquistar sua liberdade.

h) Eu disse ao Comitê Regional que não tinha viajado a Cuba, mas tinha tido encontros com os embaixadores desse país no Egito, Marrocos e Gana. Falei do afeto caloroso com que fui recebido nessas embaixadas. Mencionei que nos ofereceram todas as formas de assistência, incluindo bolsas de estudos para nossos jovens. Ao comentar a questão dos recrutas brancos e asiáticos, eu disse realmente que, sendo Cuba um país multirracial, seria lógico enviar tais pessoas a esse país, pois esses recrutas se encaixariam mais facilmente ali que com soldados negros em Estados africanos.

i) Mas nunca discuti Eric Mtshali na reunião, pela simples razão de que eu não o conhecia até ouvir seu nome ser citado por "X" neste processo. Quando retornei a Tanganika depois de percorrer o continente africano, encontrei cerca de 30 jovens sul-africanos que estavam a caminho da Etiópia para seguirem treinamento. Fiz a eles um pequeno discurso sobre disciplina e bom comportamento quando estavam no exterior. Eric Mtshali pode ter sido um desses rapazes, mas de qualquer modo, se foi, isso deve ter sido antes de ele visitar qualquer outro Estado africano além de Tanganika. E em Tanganika ele não teria passado fome nem dificuldades, pois nosso escritório nesse país teria cuidado dele. Seria absurdo sugerir que o escritório da África do Sul em Dar es Salaam o teria discriminado alegando que ele era comunista.

j) É claro que fiz referência ao Umkhonto we Sizwe, mas não pode ser verdade dizer que eles ouviram de mim pela primeira vez que esse era o nome da organização, nem que ela seria a ala militar do CNA --uma frase muito empregada pelo Estado neste julgamento. Uma proclamação tinha sido feita pelo Umkhonto em 16 de dezembro de 1961, anunciando a existência da organização, e seu nome já era conhecido havia sete meses antes da reunião em questão. E eu com toda certeza nunca a descrevi como a ala militar do CNA. Sempre a encarei como uma organização distinta e me esforcei para mantê-la assim.

k) Eu disse realmente a eles que as atividades do Umkhonto poderiam passar por duas fases, a saber: atos de sabotagem e possível guerra de guerrilha, se isso viesse a ser necessário. Falei dos problemas relacionados a cada fase, mas não disse que pessoas estavam procurando áreas apropriadas para uma guerra de guerrilha, mesmo porque nada dessa natureza estava sendo feito na época, naquela época. Enfatizei, exatamente como disse "X", que o mais importante era estudar nossa história --nossa própria história e nossa própria situação. Deveríamos, é claro, estudar também as experiências de outros países. E ao fazê-lo deveríamos estudar não apenas os casos em que revoluções foram vitoriosas, mas também aqueles em que revoluções foram derrotadas. Mas não comentei o treinamento de pessoas na Alemanha oriental, conforme declarado por "X" em seu depoimento.

i) Eu não exibi nenhuma foto do "Spark" ou do "New Age", conforme alegado por "X" em seu depoimento. Essas fotos foram publicadas apenas no dia 21 de fevereiro de 1963, quando eu já estava na prisão. Ao falar do depoimento prestado por "X", há mais um fato que quero mencionar: "X" afirmou que a sabotagem cometida em 15 de outubro de 1962 foi cometida em protesto contra minha condenação e que a decisão de cometer essa sabotagem foi tomada entre a data de minha condenação e a data do anúncio de minha sentença.

Ele também declarou que a sabotagem foi adiada por alguns dias, porque pensou-se que a polícia estaria em alerta no dia em que fui sentenciado. Tudo isso só pode ser falso. Fui condenado, Meritíssimo, no dia 7 de novembro de 1962 e sentenciado no mesmo dia a cinco anos de prisão com trabalhos forçados. Logo, a sabotagem cometida em outubro de 1962 não pode ter guardado qualquer relação com minha condenação e o anúncio de minha sentença.

Vossa Excelência, quero me debruçar agora sobre certas alegações gerais feitas pelo Estado neste processo. Mas, antes disso, quero retroceder para certos fatos que, de acordo com testemunhas, teriam ocorrido em Port Elizabeth e East London. Me refiro à detonação de bombas em residências particulares de pessoas pró-governo durante o mês de dezembro, durante setembro, outubro e novembro de 1962. Não sei qual justificava houve para esses atos, nem qual provocação tinha sido feita. Mas, se for aceito o que eu já disse, estará claro que esses atos nada tiveram a ver com a implementação da política do Umkhonto.

Uma das alegações principais contidas no indiciamento é que o CNA teria feito parte de uma conspiração geral para cometer sabotagem. Já expliquei porque isso é incorreto, mas como, externamente, houve um desvio em relação ao princípio original definido pelo CNA.

É evidente, Meritíssimo, que houve sobreposições de funções internamente também, porque existe uma diferença entre uma resolução adotada no ambiente de uma sala de comitê e as dificuldades completas que surgem no campo da atividade prática. Num estágio posterior, a posição foi afetada ainda mais por proibições, prisões domiciliares e pessoas deixando o país para fazer trabalho político no exterior.

Isso fez com que alguns indivíduos fossem obrigados a exercer funções distintas. Mas, embora isso possa ter embaçado a distinção entre o Umkhonto e o CNA, não aboliu essa distinção, de maneira alguma. Tomaram-se grandes cuidados para conservar distintas as atividades das duas organizações na África do Sul.

O CNA continuou a ser uma organização política de massas de africanos, que continuou a realizar apenas o tipo de trabalho político que já fazia antes de 1961. O Umkhonto continuou a ser uma organização pequena que recrutava membros de raças e organizações diferentes e que fomentava seus objetivos próprios. O fato de membros do Umkhonto serem recrutados do CNA e o fato de algumas pessoas servirem às duas organizações, como era o caso de Solomon Mbanjwa, a nosso ver não mudou a natureza do CNA nem o dotou de uma política de violência. Ademais, o fato de algumas pessoas serem membros das duas organizações era muito mais uma exceção que a regra. É por isso, Meritíssimo, que pessoas como "X" e "Z", que faziam parte do Comando Regional de suas respectivas áreas, não participavam de nenhum dos comitês ou das atividades do CNA. E é por isso que pessoas como Bennett Mashiyane e Reginald Ndube não ouviram falar em sabotagem em suas reuniões do CNA.

Outra das alegações contidas no indiciamento é que Rivonia era o quartel-general do Umkhonto. Isso não é verdade em relação ao tempo em que eu estive lá. Eu fui informado, é claro, e sabia que determinadas atividades do Partido Comunista eram promovidas ali. Mas, como explicarei dentro em pouco, isso não era razão para eu não usar o lugar.

Cheguei a Rivonia da seguinte maneira:

a) Como já foi indicado, no início de abril de 1961 fui para a clandestinidade para organizar a greve geral de maio. Meu trabalho envolvia viajar por todo o país, vivendo ora em townships, ora em aldeias no campo, e então novamente em cidades. Na segunda metade do ano, comecei a visitar a residência em Parktown do sr. Arthur Goldreich, onde eu tinha encontros particulares com minha família. Embora eu não tivesse uma ligação política direta com ele, conhecia o sr. Goldreich socialmente desde 1958.

b) Em outubro o sr. Goldreich me informou que ia mudar-se para fora da cidade e me ofereceu um esconderijo em seu lugar de residência. Alguns dias mais tarde, tomou providências para que o sr. Michael Harmel, outro co-conspirador neste caso, me levasse a Rivonia. Naturalmente, achei Rivonia um lugar ideal para um homem que vivia a vida de um fora da lei. Até então, eu tinha sido obrigado a ficar dentro de casa durante o dia, só podendo me aventurar para fora à noite. Mas em Liliesleaf eu podia viver de modo diferente e trabalhar com muito mais eficiência.

c) Por motivos óbvios, eu precisava me disfarçar; assumi o nome fictício de David. Em dezembro o sr. Goldreich e sua família também se mudaram para lá. Permaneci ali, Meritíssimo, até sair do país, em 11 de janeiro de 1962. Como já foi indicado, retornei em julho de 1962 e fui preso em Natal em 5 de agosto.

d) Até o momento de minha prisão, a fazenda Liliesleaf não era o quartel-general nem do Congresso Nacional Africano nem do Umkhonto. Com a exceção de mim mesmo, nenhum dos líderes ou membros dessas organizações vivia no local, nenhuma reunião dos organismos diretores das organizações jamais foi realizada ali, e nenhuma atividade conectada a elas foi organizada ou dirigida a partir dali. Durante minha estadia na fazenda Liliesleaf, me reuni em diversas ocasiões com o Comitê Executivo do CNA e com o Alto Comando Nacional, mas essas reuniões aconteceram em outros locais, não na fazenda.

e) Enquanto estive hospedado na fazenda Liliesleaf, visitei o sr. Goldreich com frequência na casa principal, e ele também me visitou em meu quarto. Tivemos muitas discussões políticas sobre temas diversos. Discutimos questões ideológica e práticas, a Aliança do Congresso, o Umkhonto e suas atividades em geral e as experiências do sr. Goldreich como soldado na Palmach, a ala militar da Haganah. A Haganah era a autoridade política do movimento nacional judaico na Palestina.

f) Graças ao que fiquei conhecendo do sr. Goldreich, quando retornei à África do Sul recomendei que ele fosse recrutado pelo Umkhonto. Não sei pessoalmente se isso chegou a ser feito.

g) Antes de partir para meu giro pela África, vivi no quarto assinalado como 12 na prova A. Quando retornei, em julho de 1962, vivi na cabana com telhado de colmo. A declaração de Joseph Mashefane de que vivi no quarto número 12 durante o período em que ele esteve na fazenda é incorreta.

Outra das alegações feitas pelo Estado é que as metas e os objetivos do CNA e do Partido Comunista são os mesmos. Quero falar sobre isso e sobre minha própria posição política. A alegação feita sobre o CNA é falsa. Essa é uma alegação antiga que foi desmentida no Julgamento por Traição e que veio à tona novamente. Mas, como voltou a ser feita, falarei dela e também do relacionamento entre o CNA e o Partido Comunista e entre o Umkhonto e esse partido.

O credo ideológico do CNA foi e sempre foi o do nacionalismo africano. Não é o conceito de nacionalismo africano expresso no grito "empurre o homem branco para dentro do mar".

O nacionalismo africano representado pelo CNA é o conceito de liberdade e realização para o povo africano em sua própria terra. O documento político mais importante já adotado pelo CNA é a Carta da Liberdade. Esta não é, de longe, um plano para a criação de um Estado socialista. A Carta pede a redistribuição da terra, mas não a nacionalização; ela prevê a nacionalização de minas, bancos e da indústria monopólica porque os monopólios, os grandes monopólios, pertencem a uma raça apenas, e sem essa nacionalização a hegemonia racial seria perpetuada, a despeito da distribuição do poder político. Seria um gesto vazio revogar a proibição de africanos contida na Lei de Ouro, quando todas as minas de ouro pertencem a companhias europeias.

Nesse ponto a política do CNA corresponde à política antiga do Partido Nacionalista atual, que por muitos anos teve como parte de seu programa a nacionalização das minas de ouro, que, na época, eram controladas por capital estrangeiro. Sob a Carta da Liberdade, a nacionalização ocorreria numa economia baseada no livre empreendimento. A realização da Carta da Liberdade abriria novos campos de atuação para uma população africana próspera e de todas as classes sociais, incluindo a classe média. O CNA nunca, em nenhum período de sua história, advogou uma mudança revolucionária na estrutura econômica do país, nem, pelo que eu me recorde, jamais condenou a sociedade capitalista.

No que diz respeito ao Partido Comunista, se eu compreendo sua política corretamente, ele advoga a criação de um Estado baseado nos princípios do marxismo. Embora esteja disposto a trabalhar em prol da Carta da Liberdade, como solução de curto prazo dos problemas criados pela supremacia branca, ele vê a Carta da Liberdade como o início de seu programa, e não sua meta final.

Diferentemente do Partido Comunista, o CNA admitia unicamente africanos como membros. Sua meta principal era, e é, que o povo africano conquiste a unidade e os direitos políticos plenos. A meta principal do Partido Comunista, por outro lado, era afastar os capitalistas e colocar em seu lugar um governo da classe trabalhadora. O Partido Comunista procurava enfatizar as distinções de classe, enquanto o CNA busca harmonizá-las. Trata-se de uma distinção vital, Meritíssimo.

É verdade que sempre houve cooperação estreita entre o CNA e o Partido Comunista. Mas a cooperação é meramente prova de um objetivo comum --no caso em pauta, acabar com a supremacia branca--, não constituindo prova de uma comunhão completa de interesses."

Continua

Tradução de CLARA ALLAIN


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