Folha de S. Paulo


Homem nigeriano sobrevive por três dias no fundo do Atlântico

Aprisionado por três dias no fundo do Atlântico em um rebocador emborcado, Harrison Odjegba Okene implorou a Deus por um milagre.

O cozinheiro nigeriano sobreviveu respirando um suprimento cada vez menor de oxigênio em um bolsão de ar que restou na embarcação. Um vídeo do resgate de Okene, em maio, postado na Internet mais de seis meses depois do acontecido, se tornou sucesso viral esta semana.

Enquanto a temperatura caía ao ponto de congelamento, Okene, que estava vestindo apenas cuecas, recitava o último salmo que sua mulher lhe havia enviado em mensagem de texto, conhecido por alguns como a "Oração da Libertação": "Ó, Deus, em Vosso nome, salve-me. O Senhor sustenta minha vida".

Até hoje Okene acredita que seu resgate, depois de três dias no fundo do mar a uma profundidade de 30 metros, foi um sinal de intervenção divina. Os outros 11 marinheiros que tripulavam o rebocador Jascon 4 morreram.

Os mergulhadores enviados ao local do naufrágio estavam apenas em busca dos corpos das vítimas, de acordo com Tony Walker, gerente de projetos da companhia holandesa DCN Diving, convocada ao local porque seu pessoal estava trabalhando em um campo de petróleo a 125 quilômetros de distância.

Os mergulhadores já haviam recuperado quatro corpos quando encontraram Okene.

Quando uma mão apareceu na tela de TV que Walker monitorava na embarcação de resgate, mostrando o que o mergulhador estava vendo dentro do casco do Jascon, todo mundo presumiu que fosse mais um cadáver.

"O mergulhador informou que havia visto a mão e, quando tentou segurá-la, foi ela que o segurou, na verdade", declarou Walker em entrevista por telefone na terça-feira.

"Foi assustador para todo mundo", disse. "Para o cara que estava aprisionado porque não sabia o que estava acontecendo. Para o mergulhador porque ele estava lá embaixo apenas para procurar cadáveres, e para nós (na cabine de controle), que pulamos das cadeiras quando vimos a mão agarrar o mergulhador, na tela".

No vídeo, há uma exclamação de medo e choque da parte do mergulhador que resgatou Okene, e depois alegria quando ele compreende o que está acontecendo. Okene recorda ter ouvido: "Temos um sobrevivente! Ele está vivo".

Walker diz que Okene não teria resistido muito tempo mais. "Ele teve uma sorte incrível por estar em um bolsão de ar, mas não demoraria muito mais para que já não pudesse respirar", afirmou.

O vídeo completo do resgate, gravado pelos mergulhadores, foi fornecido pela DCN Diving a pedido da Associated Press. Inicialmente, uma versão mais curta do resgate foi exibida na Internet. A autenticidade do vídeo foi confirmada por meio de conversas com funcionários da DCN na Holanda.

O vídeo mostrando Okene também era compatível com as fotos adicionais que o mostravam a bordo do navio de resgate. A AP também contatou Okene na terça-feira, e ele confirmou os acontecimentos.

As desventuras de Okene começaram às 4h30min do dia 26 de maio. O cozinheiro sempre acorda cedo, e estava no banheiro quando o rebocador, um dos três que rebocavam um petroleiro nas águas do delta do rio Níger, rico em petróleo, adernou subitamente, e depois emborcou.

"Fiquei em choque, tudo estava escuro, e fui arremessado de um canto do cubículo a outro", contou Okene em entrevista exclusiva ao jornal "Nigeria Nation", depois de seu resgate.

Ele conseguiu sair do banheiro aos solavancos, e tentou encontrar um respiradouro, abrindo escotilhas por onde passava. Encontrou algumas ferramentas e um colete salva-vidas com duas lanternas, que ele guardou prendendo-as ao elástico de suas cuecas.

Quando encontrou uma cabine que parecia segura, no navio afundado, começou sua longa espera, passando por frio cada vez maior, enquanto assistia mentalmente ao filme de sua vida --recordando a mãe, os amigos mas, principalmente, a mulher com quem estava casado há cinco anos e com quem ainda não tinha filhos.

Ele estava preocupado com seus colegas de tripulação - 10 nigerianos, entre os quais quatro jovens cadetes da Academia Marítima Nigeriana, e o capitão ucraniano do rebocador. Eles teriam se trancado em suas cabines, procedimento padrão em uma área que é alvo de ações de piratas.

Okene começou a ficar realmente preocupado quanto ouviu o barulho de peixes - ele supôs que tubarões ou barracudas - comendo e brigando por algo grande. Enquanto a água subia, ele colocou uma tábua sobre uma plataforma, e empilhou dois colchões sobre ela.

De acordo com sua entrevista ao "Nigeria Nation", "comecei a apelar ao Senhor... comecei a recordar os versículos que havia lido antes de dormir. Havia lido a Bíblia, do salmo 54 ao 92. Minha mulher tinha me enviado os versículos para ler naquela noite, quando me ligou antes de ir dormir".

Ele sobreviveu com apenas uma garrafa de Coca-Cola, tudo que tinha para sustentá-lo durante o trauma.

Okene realmente acreditava que fosse morrer, ele disse ao "Nigeria Nation", mas então ouviu o barulho de um motor de barco e o ruído de uma âncora sendo baixada. No entanto, não conseguiu atrair a atenção da equipe de resgate.

Ele calculou que, dado o tamanho do rebocador, seria preciso um milagre para que um mergulhador o encontrasse. Por isso ele vadeou pela cabine, removeu o revestimento interno do casco até expor o metal e bateu no metal com um martelo.

Mas "eu os ouvi indo embora. Estavam bem longe de minha posição". Quando enfim foi salvo, seus parentes já haviam sido informados de que os marinheiros estavam todos mortos.

Okene manteve a fé recitando o salmo, que promete "agradecer em Vosso nome, ó Senhor", em um serviço de sua igreja, a Redeemed Christian Church of God.

Okene foi resgatado por um mergulhador que primeiro usou água quente para aquecê-lo, e depois colocou nele uma máscara de oxigênio para que pudesse continuar respirando. Depois de retirado do navio naufragado, ele foi colocado em uma câmara de descompressão, e por fim devolvido seguramente à superfície.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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