Folha de S. Paulo


Desigualdade de renda superou até a do apartheid

Economia crescendo, mesmo com soluços, e um salto no PIB per capita são as principais conquistas do mandato presidencial de Nelson Mandela (1994-1999) na África do Sul.
Mas a desigualdade de renda superou até mesmo os níveis chocantes do apartheid, e o país iniciou uma queda acentuada no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), medido pela ONU.

Alguns indicadores sociais melhoraram um pouco (como o analfabetismo), e outros pioraram muito (a expectativa de vida desabou, afetada pela Aids e pela violência urbana).
Imerso no desafio de evitar a quebra de seu país em linhas raciais, Mandela, segundo ele próprio admitia no final da vida, deu atenção à economia muito aquém do que deveria ter feito quando foi presidente da África do Sul.

A justificativa era a de que sua agenda estava cheia de bombas a desarmar. Quando ele chegou à Presidência, em 1994, a ameaça de uma guerra civil era muito real. Radicais brancos bem armados ameaçavam decretar unilateralmente áreas autônomas no país. Entre os negros, centenas morreram nas áreas de maioria zulu, em confrontos entre partidários e opositores do governo.

Com Mandela preocupado em ser um líder para inspirar o sentimento de reconciliação, a gestão da economia, nunca o foco principal de seu interesse, foi "terceirizada" para auxiliares jovens e ambiciosos.

No caso, para um grupo de neoliberais sob o comando de seu vice e eventualmente sucessor, Thabo Mbeki, um ex-comunista treinado na União Soviética e convertido ao mercado --como acontece, aliás, com frequência entre esquerdistas do Terceiro Mundo, seja na África ou na América Latina.

O legado econômico dos anos Mandela, assim, pode ser considerado o legado econômico (neoliberal) de Mbeki.

No período em que Mandela foi presidente (abril de 1994 a junho de 1999), o país cresceu sempre, mas apenas em 1996 a uma taxa capaz de fazer alguma diferença na redução da pobreza (4,3%). Na média dos cinco anos, o aumento do PIB foi de 2,7% ao ano.

Quando ele assumiu, o IDH sul-africano, medido numa escala de 0 a 1, era 0,716, o que dava à África do Sul a posição de número 90 no ranking da ONU. Ao sair, o IDH, caíra para 0,702, e o país ocupava a 94ã posição.

Ruim, mas apenas o aperitivo para o desastre que foi a primeira década do século 21.

O IDH chegou a cair para 0,599 em 2005. O dado mais recente, de 2012, mostra um índice um pouco mais alto, de 0,629, mas uma modesta 121ã posição entre os países do mundo.

Paradoxalmente, de 2000 até 2011, o crescimento econômico claudicante da era Mandela estabilizou-se em patamares elevados. A média anual subiu para 3,9% ao ano. Entre 2005 e 2007, o PIB cresceu mais de 5% em cada ano.

Para Moeletsi Mbeki, analista do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (e irmão de Thabo), o crescimento foi artificial, puxado por commodities minerais em alta. Ao mesmo tempo, ocorreu o que ele chama de "desindustrialização" do país.

"Nossas indústrias manufatureiras declinaram. Temos desemprego crescente. Há dez ou 15 anos, a indústria manufatureira era a principal empregadora no nosso país. Hoje, está em terceiro lugar. A indústria emprega cada vez menos, e a inflação sobe", afirma.

Em outubro de 1994, com apenas seis meses de governo, Thabo Mbeki, sob delegação do presidente Mandela, apresentou um grandioso plano de privatização.

A resistência do sindicalismo brecou parte da venda de ativos públicos, mas ao longo dos cinco anos seguintes o governo se desfez do controle acionário de empresas importantes, como a Telkom (telefonia) e a South African Airways (aviação civil).

Cumprindo o receituário liberal, houve intensa abertura comercial do país, o que, segundo sindicalistas, ajudou a quebrar várias indústrias.

Em 1994, as importações representavam 19,9% do PIB, e passaram a 22,7% cinco anos depois. Em 2011, já equivaliam a 29,4% da economia.


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