Folha de S. Paulo


Venezuela já é o pior país para investir

Em meio a escassez de dólares, inflação crescente e saques a lojas, a Venezuela se transformou no país mais arriscado do mundo na percepção dos investidores.

Principal medida global do risco-país, o Índice de Títulos de Mercados Emergentes (Embi) do banco JP Morgan dá à Venezuela 1.209 pontos base, maior marca do mundo. O país ultrapassou no mês passado a "líder" Argentina (791), que já deu calote em sua dívida externa.

O número exprime, em pontos, a diferença entre a remuneração de títulos de determinado país em relação a papéis de prazo equivalente do Tesouro dos Estados Unidos, que são considerados os mais seguros.

Nas últimas semanas, o presidente Nicolás Maduro declarou "guerra econômica" a comerciantes e empresários que ele acusa de serem especuladores.

Uma lei dando ao presidente poderes especiais foi aprovada de forma controversa no Parlamento, e Maduro baixou decreto fixando, por exemplo, margens de lucro.

A oposição o acusa de incompetência e de tomar medidas tentando não perder importantes eleições municipais em dezembro.

Como resultado da instabilidade, para os investidores, a Venezuela é considerada um país mais arriscado até do que a Grécia, que teve de ser resgatada com empréstimos do FMI em 2010.

Investidores exigem um retorno de 9,07% nos títulos de 15 anos da Grécia, diante de 13,26% de títulos da Venezuela com o mesmo prazo.

"Este ano a Venezuela terá o pior desempenho macroeconômico do continente, com crescimento baixo e inflação perigosamente alta" , disse à Folha José Manuel Puente, do Centro de Políticas Públicas do Iesa, em Caracas.

A inflação já está em 55% ao ano (70% para alimentos) e o desabastecimento é generalizado --faltam leite, óleo de cozinha, arroz e papel higiênico. Segundo o FMI, a economia vai crescer 1% este ano, mas outras estimativas falam em contração de mais de 3%. O deficit do orçamento chegará a 12% do PIB.

O problema central é o controle do câmbio. O governo mantém a cotação a 6,30 bolívares por dólar, mas, no mercado negro, chega a mais de 60 bolívares.

"Isso gera múltiplas distorções na economia. Como é que os empresários podem prever preços de qualquer coisa?", diz Puente.

Maduro conclamou a população a forçar lojas de eletroeletrônicos a vender seus estoques a preços baixos. Resultado: ao menos 26 pessoas detidas por "especulação".

O caos espanta também investidores de longo prazo. Segundo a Cepal, o braço das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe, houve saída líquida de investimento estrangeiro direto de US$ 759 milhões em 2012. O Brasil, no mesmo ano, teve US$ 65 bilhões líquidos de investimento direto.

"As leis que Maduro acaba de implementar vão piorar ainda mais as coisas, a produção vai cair e o desabastecimento se ampliar", disse à Folha Daniel Kerner, diretor de pesquisas da América Latina na consultoria Eurasia Group.

Para ele, faz sentido o país ser visto como mais arriscado que a Grécia.

"A situação macroeconômica piorou marcadamente", disse. "Eu não acho que haverá um calote deliberado, mas uma hiperinflação aliada à crescente escassez de produtos pode levar a uma crise política e revolta popular, o que complicaria o pagamento das dívidas."


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