Folha de S. Paulo


Fuzileiros navais que carregaram caixão de Kennedy se reencontram

No escuro da madrugada do sábado, 23 de novembro de 1963, às 4h30, o fuzileiro naval Tim Cheek, de 20 anos, foi um dos oito militares convocados para carregar o caixão do presidente John F. Kennedy.

O féretro foi levado primeiro para o Salão Leste da Casa Branca; na tarde seguinte, subiu os degraus da Rotunda do Capitólio, de onde desceu na manhã seguinte, sendo levado à catedral de St. Matthew e então para a carreta puxada por cavalos que o aguardava na rua.

E então, finalmente, o féretro atravessou o gramado do Cemitério Nacional Arlington até chegar ao local do túmulo.

Ali, após as orações, Cheek e os outros carregadores do caixão tiraram a bandeira americana que o cobria e a dobraram em um triângulo que passou do também marine e amigo de Cheek Jerry Diamond, na traseira esquerda, para Cheek, na dianteira direita, e, depois de passar por mais algumas pessoas, chegou a Jacqueline Kennedy.

"Eu estava em estado de transe", contou Cheek, hoje com 70 anos e executivo aposentado do setor de seguros. "Éramos jovens e estávamos totalmente concentrados em cumprir nosso dever da melhor maneira possível." Durante aqueles quatro dias, contou, ele não parava de pensar "não deixe o caixão cair!".

"Especialmente na hora de descer a escadaria íngreme da Rotunda", contou. "Bastaria um passo em falso para aquele caixa desabar."

Ele se recorda de só ter sentido todo o peso da ocasião em um momento. Estava marchando com a carreta que carregava o féretro. Milhares de pessoas acompanhavam a passagem do caixão pela avenida Pennsylvania, mas Cheek se lembra do silêncio.

"E então uma mulher gritou o nome de Kennedy. E eu estremeci e pensei 'é o presidente dos Estados Unidos que está aí dentro'."

Na sexta-feira, precisamente 50 anos após o assassinato do presidente, metade dos 60 homens do corpo de marines que carregaram o caixão, montaram guarda no velório ou fizeram parte do desfile militar está reunida no Courtyard Marriott neste subúrbio de Dallas. É o segundo e provavelmente o último reencontro deles.

Os ex-marines estão envelhecendo. Jerry Diamond tinha esperanças de participar do primeiro reencontro, três anos atrás, mas não estava bem de saúde e morreu em Stow, Ohio, no dia 30 de abril de 2011, aos 67 anos.

Outros já morreram há mais tempo. Chuck Finney, outro marine que ajudou a carregar o féretro, foi abatido quando sobrevoava o Camboja. Seu cunhado Ed McCloskey, também marine, contou que apenas uma década depois foi recuperado um pedaço do cotovelo de Finney, que foi enterrado no cemitério de Arlington.

A maioria dos nove marines entrevistados veio de famílias pobres ou operárias. O fato de terem sido escolhidos para cumprir essa tarefa de elite imediatamente ao deixarem a base de treinamento dos marines foi seu primeiro passo para chegarem à classe média.

Ao longo dos anos eles falaram pouco sobre o que fizeram, mas nunca se esqueceram. O jornal "The Tribune-Democrat" de Johnstown, Pensilvânia, publicou um obituário de Jerry Diamond que parecia um currículo, com a exceção de uma sentença: "Ele sentia orgulho especial por ter sido carregador do caixão do falecido presidente John F. Kennedy".

Se, como costuma ser dito, os americanos dessa geração de fato se recordam exatamente de onde estavam quando Kennedy foi assassinado, os ex-marines se lembram com precisão de onde estavam os restos mortais do presidente depois de ele ser assassinado.

John Cunningham, que trabalha no setor imobiliário em Denver, e McCloskey, diretor aposentado de marketing em Scaly Mountain, Carolina do Norte, fizeram parte do grupo de 12 marines que escoltou a ambulância até o Pórtico Norte, percorrendo a entrada da Casa Branca.

No Salão Leste, durante uma missa para os Kennedy, o primeiro-tenente Bill Lee, de Allen, Texas, que comandava o pelotão que fez a parada militar silenciosa, montou guarda à cabeceira do caixão.

"Você fica na posição de sentido, olhando para frente, como um boneco", disse Lee, que é diretor aposentado de recursos humanos. "Não deixa pegadas. Ninguém o está observando, mas você vira parte da história."

Vários dos ex-marines presentes no reencontro disseram que eram jovens demais na época para apreciar o significado histórico do que aconteceu. Mas disseram que alguns anos depois compreenderam que o país tinha mudado definitivamente, na medida em que a política se tornara mais dividida.

"Fui participante acidental de um momento de virada na história", comentou Cunningham.

Ele foi para o Vietnã, acreditando que estava lutando por uma causa justa, mas em 1970 participou de um protesto pacífico contra a guerra e em 1972 votou em George McGovern.

Os marines foram escolhidos porque se saíram bem em um teste e tinham a aparência de fuzileiros navais perfeitos: com pelo menos 1,8 metro de altura, postura ereta e cintura fina.

Lamont Pittman conta que, no caso dele, lhe foi dito que uma consideração adicional levada em conta foi que, segundo lhe disseram, precisavam de um negro para incluir no grupo.

Todos tiveram prosperidade e mobilidade social ascendente na segunda metade do século 20. Bob DeBardelaben cresceu paupérrimo na zona rural do Alabama: seu pai criava minhocas e bagres para vender, e sua mãe passou a maior parte da infância dele num hospital psiquiátrico.

Quando Pittman se formou em Parris Island (centro de treinamento de marines), seus dentes estavam tão ruins que ele foi impedido de ir para o treinamento de infantaria enquanto não ficou pronta uma dentadura. Mais tarde, ele teve que contrair empréstimos de seus amigos nos marines para poder comprar um terno para seu casamento.

Mas, depois de cumprir seu serviço militar sem sair do país, beneficiou-se da Lei do G.I. (que garantia benefícios a veteranos de guerra), comprou e administrou vários negócios, e hoje é presidente de uma empresa de comércio na internet que movimenta milhões de dólares. Está casado com a mesma mulher há 49 anos.

Doze anos atrás, quando tinha 60 anos, Tom Griffin, cujo pai foi policial em Nova York, aposentou-se na Flórida de seu emprego de presidente de uma empresa de eletrônicos que tinha 500 funcionários. Tim Cheek trabalhou 30 anos para a Allstate, aposentando-se aos 56. Pittman foi administrador da City University de Nova York por 33 anos.

No verão de 1963 eles tinham treinado paradas militares com outras armas das forças armadas, na preparação para a morte do ex-presidente Herbert Hoover. No final, Hoover viveu mais um ano, até os 90, e o treino deles foi posto em uso para um presidente de 46 anos.

Nos ônibus que os levaram de um evento a outro, os marines ficaram em pé no corredor, para não amassarem suas calças. Lee, que seria ferido durante seus 17 meses de serviço militar no Vietnã, levou um ferro a vapor à Casa Branca para que os membros do grupo pudessem passar suas calças entre um e outro turno de 30 minutos fazendo a guarda do féretro.

O contingente de marines também fazia a segurança em eventos presidenciais e em Camp David. Ali seus integrantes viram os Kennedy de perto. Cunningham foi à missa com eles. Frank Reilly jogou futebol americano com eles. O banqueiro aposentado Harry McClellan Moffett III, que foi fuzileiro da direita na guarda de honra no funeral, se recorda de tê-los olhado nos olhos.

O reencontro nesta sexta-feira está tendo lugar perto de Dallas, mas não porque o assassinato de Kennedy aconteceu na cidade. Bill Lee tem 79 anos e não pode viajar, e seus homens não podem imaginar um reencontro sem sua presença. "Minha mulher não está bem", ele disse na quinta-feira, "e meu primeiro dever agora é ficar com ela."

Quando os marines tinham 20 anos, foram treinados por Lee. Pittman, que foi criado por seu avô e serviu o exército num tempo em que o racismo era corriqueiro, comentou: "Ele foi uma figura paterna para nós, um disciplinador severo que nos falava muito sobre o que significa ser homem. Eu me sentia apoiado por ele."

Lee era justo, disse Pittman.

No outro reencontro, alguns dos ex-marines recuaram quando viram Lee. "Eu ainda sentia um pouco de medo dele", explicou Cunningham. Lee está ansioso pelo reencontro. "Eram jovens admiráveis. Eles realmente fizeram um trabalho belíssimo."

Tradução de CLARA ALLAIN


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