Folha de S. Paulo


Kennedy deixa herança de ideais, mas conquistas são limitadas

John F. Kennedy deixou um legado político cheio de esperanças e ideias que continuam vivos, mas os historiadores destacam que, por trás do poder arrebatador do carismático presidente, o balanço de sua administração é modesto.

Esta semana, os Estados Unidos celebram o 50º aniversário de um assassinato que chocou o mundo. O choque foi tão intenso que muitas pessoas se lembram ainda hoje do que faziam no momento em que souberam que JFK havia sido baleado e morto naquele 22 de novembro de 1963, em Dallas.

Meio século depois, renova-se o escrutínio da imagem deixada por esse jovem presidente cheio de vida, ícone político e cultural de uma época em que o país recém saía da angústia do Pós-Guerra.

Em 1960, JFK se apresentou como o homem da mudança. Para a geração de "baby-boomers" que inspirou, sua presidência encarna um período de grandes esperanças, mas é destruída em pleno voo. A morte contribuiu para manter Kennedy como símbolo da juventude perpétua e da promessa nunca ofuscada.

Para muitos, ele continua sendo o herói corajoso da Segunda Guerra Mundial, atlético e de sorriso sedutor, pai de família e (ao mesmo tempo) mulherengo, casado com uma das maiores referências de elegância do mundo. Ou ainda, como o líder que evita, no último momento, uma guerra nuclear.

Quase todos os presidentes que lhe sucederam invocaram seu legado em alguma oportunidade, destacando sua retórica e sedução. As teorias provocadas por sua morte, as revelações sobre suas aventuras amorosas, ou sobre sua frágil saúde --quando exalava energia-- , ajudaram a forjar a aura mítica que se perpetuou.

Segundo Leonard Steinhorn, que dirige uma cátedra sobre o legado político de Kennedy na American University, JFK foi o primeiro presidente que compreendeu e depois explorou com maestria o poder da televisão.

"Kennedy ainda serve de modelo, no que diz respeito ao carisma, imponência, ou capacidade de liderança que se espera dos nossos presidentes", ressaltou.

Outros historiadores valorizam o legado do 35º presidente americano de forma mais crítica, separando suas realizações dessa imagem fascinante que ele se empenhou em transmitir.

O professor Jeffrey Engel, da Southern Methodist University, de Dallas, avalia, por exemplo, que "o impacto de John Kennedy sobre as gerações atuais é mínimo". Segundo ele, "é duro dizer isso, mas sua herança é a de uma presidência inconclusa".

SUPERESTIMADO

Embora se possa afirmar que Kennedy colocou na agenda temas-chave da década de 1960, como as reformas sociais, foi seu sucessor, Lyndon Johnson, quem as implantou.

Os especialistas divergem sobre se JFK teria sido tão hábil politicamente quanto Johnson para por em prática essa agenda, ou para avançar tanto em matéria de direitos civis e de cobertura médica.

Quando Kennedy foi assassinado, grande parte de suas iniciativas políticas ainda estava sendo discutida no Congresso, ressaltam os biógrafos. Tampouco será possível saber se Kennedy teria se atolado de forma tão profunda na Guerra do Vietnã.

"Aqueles que estudam sua presidência constatam que, embora tenha tido um grande talento e representasse uma enorme esperança para os americanos, suas conquistas reais em matéria legislativa e diplomática foram extremamente reduzidas", segundo Engel.

Ironia da história, será Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, que terá a honra de celebrar o 50º aniversário da morte de Kennedy. O democrata Obama se encontra em um momento especialmente crítico em seu mandato.

Em 2008, sob o cujo slogan "Yes, We Can" ("Sim, nós podemos"), Obama apelou para a esperança e o idealismo de Kennedy em uma cerimônia na American University, junto com o irmão de JFK, o então senador Edward (Ted) Kennedy.

"Houve um tempo em que outro jovem candidato se apresentava como presidente e desafiava os Estados Unidos a ultrapassar uma nova fronteira", disse Ted Kennedy nesse evento. "O mesmo acontece com Barack Obama. Acendeu uma luz de esperança em nossa época, quando nos faz tanta falta", completou.

Os apelos de Obama por mudança enfrentam barreiras partidárias em Washington e a dificuldade de transformar promessas políticas em atos. Kennedy, ao contrário, permanecerá congelado na História, sem ter vivido tempo suficiente para ver suas conquistas relativizadas pela perspectiva dos anos.


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