Folha de S. Paulo


Traumatizadas, crianças tentam voltar à rotina após tufão nas Filipinas

Num centro para refugiados do tufão na ilha de Samar, nas Filipinas, as crianças traumatizadas começam pouco a pouco a adaptar-se à sua nova normalidade.

Enquanto seus pais se angustiam pensando no futuro, as crianças criaram uma versão minimalista de queimada, jogando chinelos umas nas outras na ausência das bolas, que foram carregadas pelo tufão Haiyan, assim como quase todo o resto.

Quando soldados e funcionários de agências humanitárias chegam com suprimentos, as crianças ficam perto deles, tocando neles, rindo e fazendo perguntas como "qual é seu nome?".

Apesar desses sinais de resiliência, porém, assistentes sociais e pais dizem que as crianças estão vulneráveis.
É uma realidade que as Filipinas terão que enfrentar em meio ao esforço falho de assistência emergencial, que não tem conseguido suprir com presteza suficiente as necessidades básicas da população, como alimentos e remédios.

Quando as necessidades imediatas tiverem sido satisfeitas, o país ainda enfrentará desafios que incluem reconstruir escolas e ajudar crianças, algumas das quais ficaram órfãs, a se recuperaram emocionalmente.

"As crianças que você vê estão brincando, sim, estão dando risada", comentou a assistente social Manneth Catina, 25 anos, na cidade de Tacloban, na vizinha ilha de Leyte. "Mas, devido à situação dificílima, em seu íntimo elas ainda sentem medo."

Das estimadas 13 milhões de pessoas afetadas pela tempestade, 5 milhões são crianças.

Muitas delas perderem familiares e amigos. Algumas têm recordações apavorantes dos ventos arrasadores do tufão, da chuva fortíssima e da onda do mar que subiu terra adentro, em alguns lugares alcançando quatro metros de altura ou mais, arrasando casas e arrastando pessoas para o mar.

Em Tacloban, Gloria Macabasag conta que deixou seus três filhos sob os cuidados de sua cunhada num abrigo enquanto ela e seu marido tentaram proteger a casa da família na tempestade. A casa foi destruída, mas eles sobreviveram, subindo até o segundo piso.

Assim que a água abaixou, correram de volta ao abrigo na Escola Central Rizal, no centro da cidade. "As crianças estavam chorando e nos procurando", contou Macabasag. "Pareciam traumatizadas."

A água também invadiu a escola; Macabasag apontou para uma maçaneta de porta para indicar a altura da água quando inundou a escola, cerca de um metro.

Para sobreviver, as pessoas que estavam no primeiro piso tiveram que subir para o segundo, mas o vento que varria a escadaria externa era tão forte que era difícil se mover.

Macabasag contou que seus dois filhos menores, uma menina de 3 anos e um menino de 5, quase se afogaram, mas foram salvos por adultos que os tiraram da água.

Assistentes sociais recomendaram a Macabasag que incentive seus filhos a continuar brincando e a escrever e desenhar para expressar seus sentimentos em relação ao tufão. Quando ela pergunta a seu filho de 5 anos, José Luiz, sobre o que aconteceu, ele apenas chora.

Quando o país tentar reabrir as escolas, terá um problema: muitas delas --construções frequentemente mais robustas que as casas que as cercavam-- estão sendo usadas como abrigos para pessoas que ficaram sem teto.

A Escola Central Rizal, onde estão Macabasag e sua família, hoje abriga mais de 1.300 pessoas. Os filhos de Macabasag estão dormindo sobre carteiras na mesma sala de aula para a qual fugiram para escapar do tufão.
Macabasag está ansiosa pela distração que a escola representará para seus filhos quando for reaberta.

Enquanto isso, funcionários humanitários querem que as crianças voltem a frequentar a escola antes que se acostumem ao ócio.

"Sabemos que, quanto mais tempo ficarem sem ir às aulas, maiores são as chances de abandonarem a escola", disse Lynette Lim, gerente de comunicações para a Ásia da organização Save the Children. "É importantíssimo que as escolas voltem a funcionar o quanto antes."

Outra coisa que a preocupa é a desnutrição infantil, que já era grande nas Filipinas antes do tufão. Mesmo os suprimentos que finalmente chegaram a algumas comunidades em muitos casos não incluíram alguns produtos essenciais para crianças, incluindo leite infantil.

Na sexta-feira um avião com cem toneladas de ajuda da Save the Children pousou em Cebu, o principal ponto de chegada e distribuição de assistência. Mas, como há apenas uma empilhadeira, disse Lim, o avião levou 15 horas para ser descarregado.

"Foi um processo que já seria muito demorado e que sofreu ainda outros atrasos, apenas porque a infraestrutura presente em Cebu é insuficiente", ela disse.

Juntamente com a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a Save the Children montou uma área para crianças numa barraca na Escola Central Rizal, onde as crianças podem usar brinquedos e fazer trabalhos de arte. Há três centros desse tipo na área agora, e a previsão é que sejam criados muitos mais.

"O que vemos é que as crianças tentam entreter-se, mas não há muito o que fazer", disse Lim. "Queremos fornecer uma estrutura. Sabemos que o que ajuda as crianças a se recuperarem de desastres é voltar a fazer atividades normais."

Na terça-feira, Macabasag disse que José Luiz, seu filho que ainda não consegue falar sobre o desastre, já descobriu a tenda para crianças, apesar de ela ainda ter sido aberta oficialmente. "Ele pensa que é a escola", ela comentou. "É uma ajuda imensa para as crianças."

Tradução de CLARA ALLAIN


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