Folha de S. Paulo


Análise: Clima é adverso para direita chilena, mas Bachelet terá dificuldades se vencer

Analistas chilenos descrevem o 40º aniversário do golpe que, em 1973, derrubou o presidente Salvador Allende e instaurou a ditadura do general Augusto Pinochet, como um golpe de misericórdia sobre os esforços da direita de manter o poder no país.

A data soma-se à impopularidade do atual mandatário, Sebastián Piñera, cujo índice de aprovação é o mais baixo de qualquer presidente desde o retorno do Chile à democracia, em 1990.

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"Devido ao aniversário do golpe, o clima emocional no Chile é absolutamente adverso para a direita", afirma a cientista política María de Los Ángeles Fernández, diretora da Fundação Chile 21.

Para Fernández, "se a direita estivesse em condições melhores, nunca teria escolhido Evelyn Matthei", cujos vínculos com Pinochet -a candidata é filha de um general que foi ministro durante a ditadura- a prejudicam.

O desastroso processo de seleção de um candidato para o lugar de Piñera, que não pode ser reeleito, levou a coalizão da direita chilena a uma crise política. Dois nomes foram aventados antes de Matthei: o primeiro foi obrigado a desistir da candidatura, sob acusações de corrupção, e parentes do segundo citaram a depressão com o câncer do filho como a razão de ele ter desistido de concorrer.

As pesquisas dão à socialista Michelle Bachelet, que foi presidente de 2006 a 2010, dianteira folgada na disputa.

"É como uma comédia romântica. Todos sabemos o que vai acontecer, mas haverá uma dose salutar de incerteza", diz Patricio Navia, cientista político chileno da Universidade de Nova York, que aponta a probabilidade de haver um segundo turno.

Apesar da ampla previsão de vitória de Bachelet, Navia acredita que a Presidência dela não será muito fácil. Ele duvida que Bachelet possa implementar plenamente seu ambicioso programa de reformas, que inclui educação gratuita, elevação dos impostos das empresas e revisão da Constituição de 1980, redigida sob a égide de Pinochet.

"Ela está prometendo demais", avalia o cientista político. Para ele, será "um ano de decepções" na medida em que os chilenos forem obrigados a admitir que suas instituições são capazes de transformações apenas graduais.

Além de ser difícil conquistar a maioria no Congresso de que Bachelet precisará para fazer aprovar sua agenda, a economia do Chile está crescendo menos devido à queda da demanda de cobre por parte da China -principal parceira comercial chilena.

O Chile é o maior produtor mundial do metal, que é responsável por 15% de seu PIB, 20% da receita governamental e 60% das exportações.
Navia diz que o desaquecimento pode complicar os planos de elevar a receita fiscal para financiar reformas educacionais, uma reivindicação-chave do movimento estudantil que apoia Bachelet.

"Os chilenos vão estar de olho em Bachelet, especialmente porque lhe darão outra chance com um segundo mandato", opina Jorge Ramírez, do "think tank" Libertad y Desarrollo, de Santiago. "V­ão estar muito mais críticos, e hoje têm capacidade muito maior de sair às ruas."


Tradução de CLARA ALLAIN


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