Folha de S. Paulo


Se vencer, Bachelet fará governo mais à esquerda, diz marqueteiro

Os protestos estudantis iniciados em 2011 deslocaram o eixo político do Chile para a esquerda, o que beneficia a candidatura presidencial de Michelle Bachelet, favorita na eleição de domingo. Essa movimentação deve moldar seu provável novo governo, que deve ser mais estatista sem recair no bolivarianismo.

A análise é do sociólogo e marqueteiro chileno Eugenio Tironi, ligado à Concertação --coalizão de centro-esquerda que governou o Chile da volta à democracia, em 1990, até 2010, quando a mesma Bachelet passou a faixa para o atual presidente, Sebastián Piñera, de centro-direita.

Chefe de comunicação do primeiro governo pós-ditadura, de Patrício Aylwin (1990-1994), Tironi comandou a campanha vitoriosa de Ricardo Lagos, em 1999, e assessorou Eduardo Frei, derrotado por Piñera em 2010.

Antes, ajudou a definir a estratégia da campanha do plebiscito que levou ao fim da ditadura do general Augusto Pinochet. Fez uma participação no filme "No", de 2012, que conta a história da campanha, contracenando com Gael García Bernal.

"Os estudantes mudaram o paradigma político. Todo o espectro político se deslocou para a esquerda, inclusive a direita. Ninguém pede liberalização da economia, desregulação, privatizações, redução de impostos", afirma Tironi, atualmente professor convidado na Universidade Sorbonne-Nouvelle (Paris 3).

Para o marqueteiro, Bachelet deverá promover "alguma quebra com a ordem política e econômica" ante uma população que quer mudanças mais profundas, num Chile que há décadas segue modelo mais liberal e aberto ao mercado externo que os vizinhos sul-americanos.

Estão entre as propostas da candidata aumentar impostos de ricos e ampliar a presença do Estado na educação. Essas mudanças estruturais não aconteceram no primeiro mandato dela, acredita Tironi, porque, num tempo pré-protestos, tais reivindicações ainda não estavam maduras.

Tironi lembra que são grandes as chances de a ex-presidente vencer o pleito no primeiro turno. "O que levará a uma legitimidade e um respaldo extraordinário para fazer o que quiser", diz.
Outra previsão alentadora para a candidata é que, com sua eleição, os protestos se reduzam --muitos de seus principais líderes são agora candidatos ao Parlamento, aliados à ex-presidente.

"Mas [os protestos] não vão desaparecer. Há muita expectativa e vai haver muita pressão para que avance [nas reformas] em tempo breve. Ela logrou incorporar a si o movimento e sua energia, mas não é algo irreversível", diz.

O marqueteiro descarta, porém, que essa guinada à esquerda e ao estatismo faça nascer mais um governo "bolivariano" na região, à semelhança de Venezuela e Argentina. "Ela representa uma mudança moderada, gradual, estável e responsável."

Tironi afirma que, por seu estilo popular, Bachelet é mais fácil de ser eleita que os sisudos Lagos e Frei. Além disso, ele acredita que pese a seu favor a coincidência do ano eleitoral com os 40 anos do golpe que levou Pinochet ao poder, o que ampliou na mídia a memória da ditadura, prejudicando a direita.

PIÑERA

Apesar da proximidade a Bachelet e à Concertação, Tironi faz elogios ao governo Piñera. Diz que o presidente governou respeitando a democracia, o que afastou fantasmas pós-Pinochet de que uma gestão de direita não pudesse fazê-lo. Facilitou a vida das pequenas empresas e manteve as bases parcialmente "social-democratas" dos anos da Concertação.

"Ele validou e desmistificou a alternância. Mostrou que trocar governos não produz milagres, mas tampouco produz catástrofes", afirma.

O marqueteiro diz também que Piñera foi importante por ter rompido um pacto de silêncio dentro da direita a respeito da ditadura --no governo, optou por criticar abertamente os anos Pinochet.

Então por que o presidente enfrentou tantos protestos e deixa o cargo com menos de 30% de popularidade? Tironi diz que os chilenos passaram a relacionar o sucesso econômico a outros fatores.

Além disso, Piñera teria exagerado nas promessas e na exploração de fatos positivos, como o resgate dos mineiros soterrados em 2010. Por fim, jogou contra o presidente seu estilo "pouco simpático", avalia o marqueteiro.


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