Folha de S. Paulo


Venezuela intervém em loja "careira" e prende jornalista que cobria a crise

Na noite desta sexta-feira, centenas de venezuelanos correram até as lojas da rede Daka logo depois que o presidente Nicolás Maduro ordenou a "ocupação" da revendedora de eletrodomésticos. Segundo ele, a medida se deve ao fato de a loja cobrar preços dez vezes mais altos do que o que o governo considera normal.

"Já ordenei imediatamente a ocupação dessa rede, para colocar os produtos à venda para o povo a preço justo, todos os produtos, todos, que não fique nada nas prateleiras", anunciou Maduro num discurso de quatro horas em cadeia nacional de rádio e televisão. Gerentes de duas lojas da rede foram detidos.

Na quinta-feira, a Guarda Nacional venezuelana também prendeu o repórter Jim Wyss, do "Miami Herald", na cidade de San Cristóbal, próxima à fronteira com a Colômbia. Ele cobria a crise econômica do país e estava na cidade porque é para lá que os venezuelanos vão em busca de burlar os rígidos controles cambiais do governo. O governo não informou o motivo ou o paradeiro de Wyss.

Segundo o jornal "El Mundo", após a intervenção nas lojas Daka os produtos foram vendidos a "novos preços". Televisores de 32 polegadas, vendidos antes da intervenção a 17 mil bolívares (R$ 6.246), passaram a ser vendidos a 2,5 mil bolívares (R$ 914). A TV venezuelana transmitiu ao vivo a intervenção na loja, com ministros mostrando os preços dos produtos mais ou menos como nos canais de compra da TV a cabo brasileira.

A Associated Press entrevistou uma professora que aproveitou a ocasião para comprar o fogão novo com que sonha há meses - e que até ontem custava 16 vezes seu salário, que não aumentou.

Segundo o jornal "El Tiempo", que se opõe ao presidente, o discurso colocou as lojas "à beira do saqueio".

Em qualquer país do mundo, lojas que cobram caro arriscam perder clientes e vendas para seus concorrentes. Na Venezuela, em meio a uma crise econômica e a uma guerra de propaganda do governo contra a flutuação do câmbio, os preços viraram questão de Estado.

A inflação venezuelana, de acordo com o índice oficial divulgado nesta quinta-feira pelo Banco Central do país, foi de 54,3% no ano até outubro, com os preços subindo 5,1% entre setembro e outubro. Fora dos índices oficiais, a história é diferente.

Como a Venezuela depende de importação para praticamente todos os produtos, a desvalorização do câmbio que vem ocorrendo desde o início do ano afeta fortemente a economia. Desde 2003, o governo controla a compra e venda de divisas, o que criou um forte mercado paralelo de dólares.

O cenário não é muito diferente do que se via no Brasil da década de 1980, exceto na reação presidencial: Maduro insiste em que os problemas econômicos do país são fruto de uma conspiração de adversários ideológicos.

Com agências de notícias


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