Folha de S. Paulo


Análise: Tensão entre Brasil e EUA passa além da espionagem

Em setembro, Brasília e Washington coreografaram o adiamento da visita da presidente Dilma aos EUA. Notas oficiais não falavam em cancelamento, mas que a relação bilateral não ficaria refém de denúncias de espionagem.

A reação do governo brasileiro foi moderada. Medidas radicais, como uma retirada do embaixador brasileiro, não foram cogitadas.

Mesmo assim, analistas e funcionários do governo fizeram pouco das preocupações brasileiras. China e Rússia praticam espionagem, por que criticar apenas os EUA? O Brasil apoia adversários como Venezuela e Irã; é claro que será monitorado.

A fala de Dilma nas Nações Unidas foi mal recebida, em um momento em que os EUA tinham outras prioridades externas -Síria e Irã- e domésticas -paralisação do governo e reforma da saúde.

Enquanto isso, outra questão ameaça a relação bilateral. Em setembro, os EUA suspenderam o pagamento de US$ 12,3 milhões referentes a compensações de subsídios do algodão acordadas em 2010. O valor repassado ao Instituto Brasileiro do Algodão no mês foi de US$ 4,9 milhões. Como resposta, o país prepara retaliações que podem variar entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão, autorizadas pela OMC.

Assim como no caso da espionagem, o país mostra moderação. O acordo de 2010 já foi uma demonstração de boa vontade. Brasília abriu mão da retaliação em troca de compensação financeira e do compromisso de reforma dos programas de subsídios. Esta última demanda encontra-se perdida em disputas partidárias no Congresso dos EUA.

A reaproximação precisa partir dos EUA. Mesmo com empecilhos da política doméstica, gestos de simpatia poderiam vir em outras áreas, como acesso aos mercados de carne bovina e etanol.

Brasília não quer aplicar retaliações, mas talvez não tenha saída frente aos impasses entre republicanos e democratas, e Casa Branca e Congresso. Uma nova rodada de sanções pode prejudicar a já abalada relação bilateral. Mas paciência tem limite, e a moderação brasileira logo encontrará o seu.

GERALDO ZAHRAN é professor de relações internacionais da PUC-SP e coordenador de pesquisa do Observatório Político dos EUA


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