Folha de S. Paulo


Análise: Resultado na Argentina pouco afeta a tradição do populismo peronista

Vistas sob a ótica da história do peronismo, as eleições argentinas de ontem pouco mudam em termos da longevidade dessa forma dinâmica de populismo.

Mas mudam muito com relação ao ciclo kirchnerista. A derrota nacional sofrida pelo governo anuncia o aparente final de ciclo de uma forma personalista inovadora, que renovou o populismo peronista dos anos anteriores.

Se antes, com a Presidência de Carlos Menem, o peronismo foi a mão de obra local de uma virada neoliberal que abrangeu grande parte dos países do Cone Sul (de Collor a Fujimori, Bucaram e tantos outros), o casal Kirchner soube reconverter o legado peronista numa nova forma autoritária de entender a democracia, sintonizada com uma nova onda de populismos latino-americanos.

A Argentina, berço do populismo clássico, parece anunciar a deterioração da eficácia da forma populista de entender a política para interpretar a maioria.

Apesar de os eleitores terem votado em candidatos de esquerda e direita e candidatos locais de centro em distritos distintos, o voto de ontem constitui, sobretudo, uma rejeição do governo de Cristina Kirchner.

O que chama a atenção é que, além do voto antigoverno, em muitos casos as opções escolhidas participam da tradição populista.

O que muda, então, parece ser o nome do porta-estandarte peronista.

Em todo o continente, os governos populistas vinculam ideias não pluralistas sobre a democracia (ao mesmo tempo em que ignoram e denigrem as minorias eleitorais) à defesa de um capitalismo de Estado e à promoção de capitalistas amigos.

Vinculam a identificação quase total entre governo e movimento com doses pequenas de redistribuição, muitas vezes apresentadas como resultado das virtudes e bondade do líder, e não necessidade social ou institucional.

A concepção mítica do populismo permite a metamorfose de um número majoritário de votos, em uma chamada "vontade popular" quase eterna que só ele ou ela podem decodificar, sem contratempos conceituais.

Ontem e hoje, essas posições nos ajudam a compreender historicamente o passado e o presidente do populismo latino-americano.

O líder populista é o dono dos votos e o artífice da vontade do "povo", mas o que ocorre quando o líder que diz sempre saber o que o povo quer deixa de receber o voto da maioria?

FEDERICO FINCHELSTEIN é professor de história na New School for Social Research e no Lang College, em Nova York, e diretor do programa Janey de Estudos da América Latina na mesma universidade


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