Folha de S. Paulo


Jovem de 28 anos é o primeiro israelense morto no conflito da Síria

Duas fotografias ampliadas dominam o ambiente, na sala de estar. Na primeira, um rapaz jovem e de olhos azuis segura uma galinha. Na outra, aparece com uma flor atrás da orelha. "Essa era a sua vida", diz o pai, saudoso.

Muaid Zaki Ighbaria morreu em 16 de setembro, aos 28 anos, enquanto lutava ao lado de militantes islâmicos contra o regime do ditador sírio Bashar al-Assad. É o primeiro caso conhecido de um israelense morto do outro lado da fronteira por causa da guerra civil síria, iniciada em 2011.

Muaid é, também, símbolo da preocupação israelense de que os cidadãos árabes do país envolvam-se com organizações terroristas. Ele combatia em nome da Jabhat al-Nusra, ligada à Al Qaeda.

"Sabíamos que nosso filho iria embora logo", diz à Folha Abu Muhannad Ighbaria, 51.

Morador da vila de Mushirfa, na região norte de Israel, Muaid já havia tentado participar de outro conflito.

Em 2006, ele viajou à Jordânia na tentativa de cruzar a fronteira e participar da guerra no Iraque. À época, não conseguiu chegar a Bagdá e voltou a sua vila, onde se casou no ano passado.

Religioso desde a infância, apesar de ter crescido em uma família secular, Muaid caminhava até a mesquita às 4h30, antes de ir rumo a Tel Aviv com o pai, onde trabalhavam na construção civil.

Até que, em 22 de agosto, ele disse à mulher que viajaria a Jerusalém para rezar. Quatro dias depois, souberam que Muaid havia viajado à Turquia apenas com um bilhete de ida.

Nas semanas antes de seu desaparecimento, ele voltara a falar sobre o sofrimento de muçulmanos em outros países. Agora, na Síria.

"Ele me disse que queria explodir um carro contra o Exército de Assad, e eu fui contra", lembra Ighbaria.

Formado em química alimentar, e ao lado de dois amigos "de boa família", nas palavras de seu pai, Muaid carregava um passaporte israelense. Ele cruzou a fronteira turca de maneira ilegal.

"Fiquei preocupado, mas também orgulhoso. Não são todas as pessoas que deixam suas casas para fazer a 'jihad'", afirma o pai, referindo-se ao conceito de esforço religioso, às vezes traduzido do árabe por "guerra santa".

"Respeitamos a decisão dele. Ele acreditava no que fazia. Nós discordávamos sobre a situação na Síria, mas Muaid não era uma criança."

Arquivo Pessoal
Muaid Zaki Ighbaria, que deixou Israel para lutar na Síria
Muaid Zaki Ighbaria, que deixou Israel para lutar na Síria

AL QAEDA

A casa de Ighbaria é decorada por bandeiras negras com os dizeres de "não há Deus exceto Deus" --símbolos identificados com a causa jihadista. Os enfeites foram distribuídos em Mushirfa após a morte de Muaid. Ninguém diz saber quem os produziu.

O jovem é conhecido no vilarejo pelos títulos em árabe de "shahid" e "batl", ou seja, "mártir" e "herói". Segundo seu pai, "o mártir pode trazer diversas pessoas ao paraíso com ele", razão pela qual sua morte foi celebrada com doces típicos de damasco e com fogos de artifício.

Ao mesmo tempo, os vizinhos se calaram. "Não vieram nos dar os parabéns", diz Ighbaria. "Não querem dizer isso publicamente. Não sabemos quantas pessoas ligadas à Al Qaeda vivem aqui. Tudo isso é secreto."

A relação de Muaid com o grupo terrorista teve início a partir da admiração por Osama bin Laden, sobre quem o garoto recolhia informações na internet. "Bin Laden deixou sua família para viver uma vida humilde. Meu filho pensava que isso é a ideia de um muçulmano de verdade."

Mas as notícias sobre o ataque químico de 21 de agosto em Ghouta, nos arredores de Damasco, também foram decisivas para seu envolvimento na guerra síria. "Mesmo um pagão teria vontade de fazer alguma coisa depois de ver essas imagens", diz o pai.

Muaid viajou no dia seguinte. Um mês depois, morreu nessa mesma cidade, durante os embates.

Foi quando Ighbaria viu a foto de um "mártir desconhecido" no Facebook. "Era uma imagem dele morto, com sangue fresco no rosto. Pensavam que fosse caucasiano, pela aparência. Mas eu soube que era meu filho."

A morte mudou a família, que diz ter se tornado mais religiosa. "Eu ouvia música ocidental, ACDC, mas agora ouço notícias a respeito da Síria e dos jihadistas", diz.

"Eu estou orgulhoso. Só culpo Muaid por não ter nos dito adeus", afirma Ighbaria.


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