Folha de S. Paulo


Dilma diz que cancelou viagem por 'ausência de apuração' de espionagem

A presidente Dilma Rousseff decidiu nesta terça-feira (17) não ir a Washington, no próximo mês, no que seria a primeira visita de Estado de um presidente brasileiro em quase duas décadas.

Em nota, ela alegou que "tendo em conta a proximidade da programada visita de Estado a Washington --e na ausência de tempestiva apuração do ocorrido, com as correspondentes explicações e o compromisso de cessar as atividades de interceptação-- não estão dadas as condições para a realização da visita na data anteriormente acordada".

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A decisão foi tomada mesmo depois de o presidente norte-americano, Barack Obama, ter telefonado nesta segunda-feira para Dilma, numa tentativa de evitar o cancelamento da visita de Estado da brasileira aos EUA no mês que vem.

Segundo a Folha apurou, Dilma havia dito ao colega ter dificuldades para manter a viagem marcada para o dia 23 de outubro.

Nas notas divulgadas nesta terça, porém, tanto o Palácio do Planalto quanto a Casa Branca dizem que a decisão foi tomada de comum acordo.

Dilma diz, por meio de comunicado da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, que coube aos dois presidentes decidir pelo adiamento da viagem, "pois os resultados dessa visita não devem ficar condicionados a um tema cuja solução satisfatória para o Brasil ainda não foi alcançada ".

"O governo brasileiro tem presente a importância e a diversidade do relacionamento bilateral, fundado no respeito e na confiança mútua", diz a nota. "As práticas ilegais de interceptação das comunicações e dados de cidadãos, empresas e membros do governo brasileiro constituem fato grave, atentatório à soberania nacional e aos direitos individuais, e incompatível com a convivência democrática entre países amigos", continua.

A presidente também afirma, na nota, que o país "confia que, uma vez resolvida a questão de maneira adequada, a visita de Estado ocorra no mais breve prazo possível, impulsionando a construção de nossa parceira estratégica e patamares ainda mais altos".

A presidente decidiu não ir a Washington após acusações de que ela e a Petrobras foram alvo de espionagem pela NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA), segundo reportagens no programa "Fantástico", da TV Globo, neste mês.

A decisão de cancelar a visita foi antecipada pela Folha, no sábado (14). A ideia defendida por interlocutores da presidente é que a espionagem permearia grande parte das conversas, o que não seria vantajoso para o Brasil.

As revelações partiram de documentos secretos obtidos pelo jornalista Glenn Greenwald com Edward Snowden, ex-técnico da NSA, asilado na Rússia. Os papéis mostraram que a comunicação entre Dilma e assessores foi monitorada pela agência americana.

Na avaliação da presidente, os EUA não pediram desculpas e não deram explicações convincentes sobre a espionagem no Brasil, que atingiu a comunicação da própria presidente com auxiliares. O país chegou a dar a entender que manteria a prática de monitorar o Brasil.

Categoria diplomática mais alta concedida a estrangeiros, a visita de Estado é reservada a parceiros estratégicos mais próximos dos EUA e implica em formalidades como um jantar de gala na Casa Branca e uma cerimônia militar na chegada. O último presidente recebido com tal honraria havia sido Fernando Henrique Cardoso.

CASA BRANCA

Também em nota, a Casa Branca chamou o anúncio de "adiamento".

Obama se comprometeu a procurar um caminho diplomático com Dilma para solucionar o desconforto provocado sobre a relação bilateral. O documento informa que o caso está sendo estudado, "mas o processo pode levar meses para ser concluído".

"O presidente Obama e a presidente Rousseff aguardam a visita de Estado, que celebrará nossa extensa relação e não deve ser obscurecida por uma questão bilateral singular, independentemente da importância e do desafio de tal questão", afirma o comunicado, que também menciona a conversa por telefone que os dois chefes de Estado tiveram ontem.

De acordo com a nota da Casa Branca, o presidente americano espera reagendar o encontro e afirma que outros assuntos de interesse com mecanismos de cooperação, diálogos sobre questões políticas, econômicas, energia e defesa continuarão a ser debatidos.

ÍNTEGRA

Leia a íntegra da nota da Presidência:

"Nota Oficial

A presidenta Dilma Rousseff recebeu ontem, 16 de setembro, telefonema do presidente Barack Obama, dando continuidade ao encontro mantido em São Petersburgo à margem do G-20 e aos contatos entre o ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado e a Assessora de Segurança Nacional Susan Rice.

O governo brasileiro tem presente a importância e a diversidade do relacionamento bilateral, fundado no respeito e na confiança mútua. Temos trabalhado conjuntamente para promover o crescimento econômico e fomentar a geração de emprego e renda. Nossas relações compreendem a cooperação em áreas tão diversas como ciência e tecnologia, educação, energia, comércio e finanças, envolvendo governos, empresas e cidadãos dos dois países.

As práticas ilegais de interceptação das comunicações e dados de cidadãos, empresas e membros do governo brasileiro constituem fato grave, atentatório à soberania nacional e aos direitos individuais, e incompatível com a convivência democrática entre países amigos.

Tendo em conta a proximidade da programada visita de Estado a Washington --e na ausência de tempestiva apuração do ocorrido, com as correspondentes explicações e o compromisso de cessar as atividades de interceptação-- não estão dadas as condições para a realização da visita na data anteriormente acordada.

Dessa forma, os dois presidentes decidiram adiar a visita de Estado, pois os resultados desta visita não devem ficar condicionados a um tema cuja solução satisfatória para o Brasil ainda não foi alcançada.

O governo brasileiro confia em que, uma vez resolvida a questão de maneira adequada, a visita de Estado ocorra no mais breve prazo possível, impulsionando a construção de nossa parceria estratégica a patamares ainda mais altos.

Secretaria de Comunicação Social da
Presidência da República Federativa do Brasil"


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