Folha de S. Paulo


Vídeo divulgado por rebelde dissidente mostra execução na Síria

Os rebeldes sírios fizeram pose casual, com suas armas apontadas para seus prisioneiros, apavorados e sem camisa, a seus pés.

Os prisioneiros, sete ao todo, eram soldados sírios capturados. Cinco deles estavam amarrados, com vergões vermelhos nas costas. Enquanto mantinham seus rostos enfiados na terra, o comandante dos rebeldes recitou um verso revolucionário amargo.

"Durante 50 anos eles foram companheiros da corrupção", ele disse. "Juramos ao Senhor do Trono, e nosso juramento é este: vamos nos vingar."

Assim que o poema acabou, o comandante, conhecido como "o Tio", disparou uma bala na nuca do primeiro prisioneiro. Seus homens seguiram seu exemplo, imediatamente matando todos os prisioneiros a seus pés.

The New York Times
Foto de execução promovida por rebeldes sírios
Foto de execução que, segundo dissidente, foi promovida por rebeldes sírios

Documentada em um vídeo levado para fora da Síria alguns dias atrás --por um ex-rebelde que ficou enojado com a matança--, a cena oferece uma visão sombria do modo como muitos rebeldes adotaram algumas das mesmas táticas brutais e implacáveis usadas pelo regime que procuram derrubar.

Enquanto os Estados Unidos discute se vai ou não apoiar a proposta da administração Obama de que forças sírias sejam atacadas por usar armas químicas contra civis, esse vídeo, filmado em 2012, vem somar-se a um conjunto crescente de evidências de um ambiente cada vez mais criminoso povoado por gangues de assaltantes, sequestradores e assassinos.

O vídeo também exemplifica o dilema de política externa que os EUA enfrentam para identificar aliados entre os rebeldes, no momento em que alguns parlamentares, incluindo o senador John McCain, pedem apoio militar mais robusto à oposição.

Nos mais de dois anos da guerra civil síria, uma grande parte da oposição no país formou uma estrutura frouxa de comando que obteve o apoio de vários países árabes e, em grau mais limitado, do Ocidente. Outros elementos da oposição assumiram viés extremista e se aliaram abertamente à Al Qaeda.

Em boa parte da Síria, onde vivem e combatem os rebeldes que contam com apoio ocidental, áreas fora da influência do governo se converteram em uma paisagem guerrilheira e criminosa complexa. Isso suscita a perspectiva de que uma ação militar dos EUA possa inadvertidamente fortalecer criminosos e extremistas islâmicos.

Abdul Samad Issa, 37 anos, o comandante rebelde captado pelo vídeo liderando seus combatentes na execução dos soldados capturados, ilustra exatamente esse risco.

Conhecido no norte da Síria como "o Tio" porque dois de seus comandados são seus sobrinhos, Issa lidera um grupo relativamente desconhecido de menos de 300 combatentes, revelou um de seus antigos assessores. O ex-assessor que levou o vídeo para fora da Síria não está sendo identificado por motivos de segurança.

Comerciante e criador de gado antes da guerra, Issa formou um grupo de combatentes no início do levante, usando seu dinheiro próprio para comprar armas e financiar as despesas dos combatentes.

De acordo com seu ex-assessor, sua motivação foi aquela citada no poema que ele recitou: a busca de vingança.

Em Washington, na quarta-feira, o secretário de Estado, John Kerry, tratou da questão dos rebeldes radicalizados numa discussão com o deputado republicano Michael McCaul, do Texas.

Kerry insistiu que "existe uma oposição moderada real".

Ele afirmou que há entre 70 mil e 100 mil "oposicionistas". Destes, disse Kerry, cerca de 15% a 20% são "homens maus" ou extremistas.

McCaul respondeu que foi informado em briefings que metade dos combatentes oposicionistas é formada por extremistas.

E, embora os EUA tenham dito que buscam políticas que fortaleçam os rebeldes seculares e isolem os extremistas, a dinâmica na própria Síria, conforme o que se vê no vídeo de execução de Idlib e em vários outros crimes documentados, é mais complexa que uma disputa entre grupos seculares e religiosos.

O pai de Issa era opositor do presidente Hafez Assad, pai do presidente sírio atual. Ele desapareceu em 1982, segundo relata Issa.

De acordo com o ex-assessor, Issa acredita que seu pai foi morto durante o chamado Massacre de Hama --27 dias de repressão governamental à Irmandade Muçulmana-- naquele ano.

Quando chegou à idade adulta, Issa já era declaradamente antigoverno, tendo sido preso duas vezes e passado um total de nove meses encarcerado, disse o antigo assessor.

Quando teve início o levante contra Bashar Assad, dois anos e meio atrás, sua família enxergou uma oportunidade para tentar acertar contas antigas.

De acordo com pessoas que conhecem Issa, inicialmente ele foi manifestante, depois passou a liderar combatentes em escaramuças pequenas. No ano passado ele já comandava um campo de treinamento nas montanhas próximas à Turquia.

Este ano, disse o ex-assessor, Issa recolheu armas de parentes e empresários árabes que conhecia de seu trabalho como comerciante. Pelo menos uma vez, obteve armas do Conselho Militar Supremo do Exército Sírio Livre, que tem apoio do Ocidente.

(Dois representantes do conselho militar se negaram a dar declarações sobre a colaboração militar ou o apoio logístico do conselho ao grupo de Issa. Procurado por dois dias esta semana, o próprio Issa não foi encontrado para dar declarações.)

Na primavera deste ano, seu grupo assumiu o nome de Jund al-Sham, que compartilha com três grupos terroristas internacionais e com outro grupo na Síria. Não está claro qual é sua relação com esses grupos, se é que existe.

O ex-assessor de Issa e dois outros homens que já o conheceram ou investigaram disseram que ele parece assumir identidades de conveniência.

Mas, segundo eles, uma das táticas dele parece ser prometer a seus combatentes "o extermínio" dos alauítas, a seita islâmica minoritária à qual pertence a família Assad e que Issa vê como culpada pelo sofrimento da Síria.

Essa ideia pode ser a causa da decisão de Issa de executar seus prisioneiros, conforme visto no vídeo, disse seu antigo assessor. Os soldados foram capturados quando os homens de Issa atacaram um posto do governo ao norte de Idlib, em março. Em seus celulares, disse o ex-assessor, havia vídeos de soldados fazendo saques e estuprando civis sírios.

Issa os declarou criminosos, e eles foram submetidos a um julgamento revolucionário, no qual foram condenados.

Em seguida, disse o ex-assessor, Issa fez a execução deles ser filmada, para que pudesse mostrar a doadores o trabalho que faz contra Assad e seus militares, com o intuito de pedir mais recursos.

O vídeo termina abruptamente depois de os combatentes de Issa jogarem os corpos dos soldados num poço. Um deles, um jovem usando casaco forrado roxo, olha para a câmera e sorri.

Tradução de Clara Allain


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