Folha de S. Paulo


Síria e espionagem azedam cúpula de países do G20

A presidente Dilma Rousseff chegou esta noite (à tarde no Brasil) a São Petersburgo, para participar quinta e sexta-feira da oitava cúpula do G20, o clubão das maiores economias do planeta.

Mas o encontro deste ano se dá em um ambiente completamente oposto daquele em que nasceram as cúpulas, em 2008: na esteira da profunda crise instalada então, os governantes deram rara demonstração de absoluta unidade e costuraram respostas que evitaram que o mundo caísse numa depressão.

Em 2013, no entanto, unidade é tudo o que falta ao grupo, não por motivos econômicos, mas políticos.

Dilma chegou irritada com o fato de o governo norte-americano ter bisbilhotado suas comunicações, o que promete tornar tenso o encontro com Barack Obama, que se dará de qualquer forma.

Ou bilateralmente, conforme se negociava antes da revelação mais recente de espionagem, ou na sessão plenária em que os governantes ficam conversando entre eles, antes dos pronunciamentos oficiais.

É razoável especular que Dilma tente cobrar diretamente de Obama as explicações que a chancelaria brasileira solicitou anteontem ao embaixador Thomas Shannon.

O novo lance da espionagem norte-americana turva a intenção prévia do Palácio do Planalto de evitar aprofundar o contencioso com os Estados Unidos surgido com as primeiras revelações sobre a mega-espionagem e sobre os "grampos" na representação brasileira junto às Nações Unidas.

"Não nos interessa discutir contenciosos com ninguém", disse à Folha, na semana passada, o assessor diplomático Marco Aurélio Garcia.

Mas as novas revelações jogam a iniciativa para o lado norte-americano, que terá que dar explicações suficientes para acalmar a irritação da presidente.

Obama terá que acalmar também outra das lideranças presentes ao G20, a alemã Angela Merkel. O pior momento da chanceler alemã no debate de domingo com seu adversário Peer Steinbruck (social-democrata) foi justamente quando Steinbruck a apertou sobre o esquema de espionagem dos EUA que teve a Alemanha igualmente como alvo prioritário.

Sem falar do mexicano Enrique Peña Nieto, vítima, como Dilma, de espionagem específica, quando ainda era candidato à Presidência. O México é um dos três latino-americanos membros do G20, ao lado de Brasil e Argentina.

A espionagem é o foco também do desconforto de Obama com os anfitriões russos do G20. O presidente norte-americano cancelou uma visita bilateral à Rússia, prevista para antes do G20, como sinal de repúdio ao asilo dado da Edward Snowden, o funcionário terceirizado que revelou a mega-espionagem e é, portanto, o pivô de todas as irritações.

SÍRIA

Além disso, Vladimir Putin, o presidente russo, nega-se a aceitar a versão norte-americana de que o ditador sírio Bashar al-Assad empregou armas químicas em ataque aos rebeldes no dia 21 e, por isso, precisa sofrer algum tipo de retaliação.

Obama tende a usar a cúpula do G20 como palco para tentar convencer outros países a aliar-se ao plano norte-americano de atacar a Síria em algum momento. É o palco ideal: nenhum outro grupo reúne tantos países de primeira linha no planeta, a ponto de representarem 90% de tudo o que o mundo produz de bens e serviços e 2/3 da população mundial.

Mas Angela Merkel já afastou a participação de seu país: "Dizemos claramente que a Alemanha não participará de ação militar na Síria", afirmou hoje. Acrescentou no entanto, que o G20 é um fórum para "buscar uma resposta unida da comunidade internacional". Qual, ela não antecipou.

Síria e espionagem acabaram desviando o foco original do G20, que se autobatizou de "primeiro foro global para cooperação internacional", centrada na economia.

Não que a economia vá ficar de fora, mas o que absorve a atenção dos participantes é a turbulência cambial nos países emergentes, provocada pelo anúncio de suspensão mais ou menos iminente do programa de estímulos à economia adotado pelos EUA.

Nesse capítulo, admitem negociadores, o máximo que o G20 pode fazer, coletivamente, é recomendar que o programa seja desativado com o máximo de cuidados para não aumentar a turbulência.

Síria e espionagem acabam, portanto, sendo temas mais emocionantes e urgentes.


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