Folha de S. Paulo


Julgamento mais esperado na China em décadas começa com gesto misterioso

Detido em condições desconhecidas desde que caiu em desgraça, em março de 2012, o ex-dirigente comunista Bo Xilai reapareceu hoje como réu, no julgamento mais esperado das últimas décadas na China.

Um forte esquema de segurança foi montado em torno da corte da cidade de Jinan (366 km ao sul de Pequim), onde o julgamento é realizado. Bo foi indiciado por corrupção, abuso de poder e recebimento de suborno.

Sem aparecer em público há 18 meses, Bo chegou ao tribunal às 8h19 (21h19 de quarta-feira pelo horário de Brasília) em uma van com vidros escuros, segundo a imprensa chinesa. Na primeira foto divulgada pela corte, Bo aparece entre dois policiais diante dos juízes, com as mãos cruzadas para a frente. Na mão esquerda, três dedos estendidos, o que deflagrou uma onda de especulações entre internautas sobre o significado do gesto.

Com sua condenação dada como certa, a enorme atenção é gerada pela rara exposição que o caso deu às divisões e disputas no topo do Partido Comunista chinês.

Reuters
Ex-dirigente do Partido Comunista chinês Bo Xilai faz gesto misterioso com os dedos ao comparecer a julgamento em tribunal
Ex-dirigente do Partido Comunista chinês Bo Xilai faz gesto misterioso com os dedos ao comparecer a julgamento em tribunal

Bo, 64, era um dos políticos mais populares da China e uma estrela em ascensão no partido. Até fevereiro de 2012, quando veio à tona a revelação de que sua mulher, Gu Kailai, havia assassinado o empresário britânico Neil Heywood, com quem tinha negócios.

Gu foi condenada à pena de morte com suspensão de dois anos. Suspeito de usar sua influência para proteger a mulher, Bo foi expulso do partido e indiciado por corrupção, abuso de poder e recebimento de suborno.

Como chefe do PC na megacidade de Chongqing (centro), seu último cargo, Bo teve uma atuação popular e controvertida.

Obteve alto crescimento econômico turbinado por investimento estatal, mas foi culpado de abuso de poder e de direitos individuais, enquanto promovia a "cultura vermelha", inspirada no histórico líder comunista Mao Tse-tung.

As acusações de corrupção pelas quais será julgado hoje, porém, se referem a um período mais longínquo, quando era chefe do partido em Dalian (sudeste). Para muitos observadores, o indiciamento seletivo mostra que trata-se de um julgamento político.

"Eu prefiro chamar de um julgamento criminal político", disse à Folha o analista político Li Weidong. "Não há sinal de que será justo. O processo legal inteiro foi marcado por falhas."

Com Bo no banco dos réus, a corte deu mais detalhes sobre as acusações. Entre 2000 e 2012 ele teria recebido 21,8 milhões de yuans (R$ 8,6 milhões) em subornos de Xu Ming, um empresário bilionário de Dalian.

Xu, que era considerado o homem mais rico da China, foi detido em março do ano passado e desde então não foi mais visto.

O julgamento é realizado em Jinan, na província de Shandong, longe do antigo bastião de poder de Bo. O distanciamento é uma medida comum na China em casos legais importantes, para evitar distúrbios públicos.

Mesmo assim, um grupo de simpatizantes do ex-dirigente se reuniu na entrada do tribunal para protestar contra o que consideram um ato de perseguição política. Alguns levavam retratos de Mao Tse-Tung.

No popular microblog Weibo (versão local do Twitter), a censura apagou um grande número de comentários. Os que permaneceram indicaram a divisão provocadas pelo caso entre os chineses.

"Bo foi vítima de armação', dizia um dos simpatizantes, identificado como @Relaxed108. "Ele prejudicou muita gente e merece ser punido", rebateu o usuário @weiguanyoubufanfa.

A maioria dos analistas também acha que o julgamento é mais um acerto de contas do partido com um político de ambições sem limites que o exemplo de combate à corrupção que a mídia estatal busca disseminar.

Embora a corte de Jinan tenha anunciado que o julgamento seria "aberto", o acesso foi restrito à mídia estatal. A Folha e outros veículos de imprensa estrangeiros que pediram credenciamento foram informados de que não havia lugares disponíveis no tribunal.

Nada foi informado sobre a duração do julgamento, mas ele deve ser curto, com o anúncio do veredicto hoje ou amanhã e da sentença dentro de poucas semanas.

Li Weidong diz que é difícil prever qual será a sentença. Ele acredita que poderá ser relativamente curta, de 15 anos de prisão ou menos, já que as acusações são menos graves do que se esperava.

"Certamente houve um acordo entre Bo e o partido para reduzir a pena", diz ele. "A questão é se o governo conseguirá uma confissão pública, o que ajudaria a calar os aliados de Bo".


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