Folha de S. Paulo


Grupo galês encena peça sobre a vida do soldado Bradley Manning

"Bradley Manning é um traidor".

"Bradley Manning é um herói".

"Bradley Manning causou a Primavera Árabe".

"Bradley Manning é inocente".

As vozes ganham volume e aspereza, mas não pertencem a comentaristas que estejam debatendo a corte marcial do soldado Bradley Manning, o militar americano que admitiu ter divulgado centenas de milhares de documentos diplomáticos e das Forças Armadas dos Estados Unidos ao WikiLeaks.

As vozes pertencem aos atores do Teatro Nacional do País de Gales, que estão ensaiando em um armazém perto da estação ferroviária de Cardiff. Em um espaço de ensaio cercado dos quatro lados por cadeiras plásticas laranja, eles estavam trabalhando na cena inicial de "The Radicalisation of Bradley Manning" (a radicalização de Bradley Manning, em português), peça de Tim Price que fez parte da agenda do Festival de Edimburgo.

O momento da produção não poderia ter sido mais oportuno. No começo de junho, foi iniciado o julgamento de Manning, três anos depois de sua detenção. Na terça-feira, ele foi considerado inocente da acusação de ajudar o inimigo --a mais grave que pendia contra ele--, mas culpado pela maioria dos demais crimes pelos quais estava sendo acusado. Nesta quarta, ele foi condenado a 35 anos de prisão.

Dan Green/The New York Times
Cena da peça "A Radicalização de Bradley Manning", com o ator Matthew Aubrey no papel do protagonista
Cena da peça "A Radicalização de Bradley Manning", com o ator Matthew Aubrey no papel do protagonista

"É estranho fazer a peça de novo em um momento de sentimentos mais fortes quanto à questão", diz John McGrath, 51, diretor artístico do teatro galês, que apresentou o espetáculo pela primeira vez no ano passado. Agora, diz Price, o caso de Manning "é parte do zeitgeist, uma conversação sobre o estado moral e jurídico das denúncias contra o governo".

Entrevistado em companhia de McGrath durante uma pausa de almoço nos ensaios, ele acrescentou que "Edward Snowden jamais teria feito o que fez não fosse por Manning".

A conexão entre Manning e um grupo galês de teatro pode não parecer evidente. Mas a última das vozes no coro de abertura da peça proclama: "Bradley Manning é galês!"

Não é uma declaração simbólica. A mãe de Manning, Susan Manning, é galesa, e depois que ela e seu marido, o americano Brian Manning, se separaram em 2000, ela transferiu sua família de Crescent, Oklahoma, de volta a Haverfordwest, sua cidade natal em Gales. De 2001 a 2005, Bradley Manning estudou na Tasker Millward School, onde --em respeito ao foco nacional do teatro galês-- a peça foi encenada em abril de 2012, e assistida, durante sua temporada no local, por Susan Manning e outros familiares do acusado.

A peça salta entre três períodos de tempo: os dias escolares de Manning em Tasker Millward, os dias que separam sua partida do Reino Unido de sua decisão de divulgar os documentos para o WikiLeaks, e os dias de detenção em uma cela minúscula em Quantico, onde era mantido em isolamento e tinha de dormir nu.

"É como navegar pela vida dele", diz Price. O foco da companhia em uma presença digital concretiza essa comparação: todas as apresentações são transmitidas ao vivo pela internet, acompanhadas por links com informações e vídeos adicionais.

"Há tanto conteúdo sobre Bradley Manning disponível, e por isso decidimos não acrescentar mais conteúdo, e sim ajudar as pessoas a navegar pelo que já existe", disse McGrath. "Se você assistir on-line, pode acompanhar links laterais e seguir suas intuições". Price disse que a preocupação central ao escrever a peça era a influência de Gales sobre Manning. "Existe uma história fantástica de protesto radical por aqui", ele afirmou.

O radicalismo galês é evocado em cenas de aulas escolares de história, notavelmente a encenação de um protesto violento. Mas Price evita as respostas simples quanto às ações posteriores de Manning.

"O que descobrimos nas oficinas preparatórias para a peça é que não existe causalidade simples", disse McGrath. "Temos uma meditação de Tim sobre o que significa ser galês, e depois a passagem de Manning para a vida militar e o WikiLeaks. Tentamos analisar seu espírito em profundidade, mas não temos respostas".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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