Folha de S. Paulo


PC chinês fez documento sobre 'perigo' de valores ocidentais, diz jornal

Um documento interno que circula entre os líderes do Partido Comunista da China tem alertado para os "perigos" de valores ocidentais, como democracia, direitos humanos universais e reformas econômicas neoliberais.

Segundo o jornal "New York Times", que obteve uma cópia do documento, a advertência partiu do próprio presidente chinês, Xi Jinping, que assumiu a liderança do partido em novembro do ano passado.

Denominado de "Documento Número 9", o memorando enumera sete perigos que ameaçam o poder do PC chinês, sendo o primeiro deles a "democracia ocidental constitucional".

Os demais riscos à hegemonia comunista incluem "valores universais" de direitos humanos, liberdade de imprensa, conceitos "neoliberais" de economia de mercado e críticas "niilistas" à história do partido.

"Forças ocidentais hostis à China e dissidentes dentro do país continuam infiltrando constantemente a esfera ideológica", diz um trecho do documento, reproduzido pelo "New York Times".

De acordo com o jornal, o memorando foi emitido apenas para circulação interna no partido em abril, um mês depois da posse de Xi como presidente, que marcou a transição de poder que ocorre a cada dez anos na China.

A linha dura adotada pela nova liderança decepcionou intelectuais liberais e até alguns ex-dirigentes comunistas moderados, que viam na ascensão de Xi a chance de mudanças políticas.

Mas as prisões de conhecidos ativistas de direitos civis nas últimas semanas demonstra que as ameaças contidas no "Documento Número 9" estão sendo levadas a sério pelo governo.

Além disso, a imprensa estatal publicou uma série de artigos e editoriais condenando o "constitucionalismo" _o conceito de que o poder do Estado e do partido devem ser subordinados a uma lei suprema.

"Constitucionalismo pertence somente ao capitalismo", decretou um artigo do "Diário do Povo", jornal do Partido Comunista chinês.

A publicação aponta uma conspiração dos EUA por trás dos que defendem o conceito no país. "É uma arma de guerra psicológica usada pelos magnatas do capitalismo monopolista americano e seus aliados na China para subverter o socialismo chinês".

Ativistas chineses afirmam que a repressão ao constitucionalismo significa um retrocesso em relação ao governo anterior, durante o qual discussões sobre o assunto foram toleradas.

Uma greve de jornalistas que irritou o governo no início deste ano teria sido um dos motivos que levaram o Partido Comunista a emitir o "Documento Número 9".

Funcionários do semanário "Southern Weekend" e ativistas protestaram na cidade de Guangzhou (sul), depois que um editorial em defesa de direitos constitucionais foi transformado por censores em um artigo com elogios ao Partido Comunista.

'ILUSÃO'

Para o dissidente Hu Jia, que já passou três anos e meio na cadeia (2008-2011), acusado de subversão, a censura ao jornal foi o primeiro sinal de que a esperada abertura era uma ilusão.

"As restrições à liberdade de expressão estão ficando mais duras", disse Hu à Folha. "Depois de um curto período de relaxamento, a liderança gradualmente mostrou sua verdadeira face".

Embora no discurso econômico o governo de Xi Jinping tenha prometido dar mais espaço a forças de mercado, em meio à maior desaceleração do PIB em duas décadas, não houve acenos à abertura política.

"Constitucionalismo se tornou uma palavra sensível e ameaçadora para o governo. Sob a liderança anterior pelo menos havia alguma discussão sobre o assunto", lamenta Hu Jia.

Nos meios liberais, a esperança de que Xi se revelaria um reformista também foi enterrada pela defesa do presidente ao legado de Mao Tse-tung, líder máximo do comunismo chinês e ícone dos setores conservadores.

Em um trecho do memorando citado pelo "New York Times", os líderes comunistas manifestam preocupação com as denúncias de autoridades corruptas feitas na internet pelos chamados "jornalistas cidadãos".

Por trás das denúncias, afirma o documento, estão opositores do sistema de partido único interessados "em provocar o descontentamento com o partido e o governo".


Endereço da página: