Folha de S. Paulo


Após vitória no Zimbábue, Mugabe diz a críticos que 'podem se matar'

O presidente zimbabuano Robert Mugabe disse aos críticos de sua reeleição que "podem se matar", na segunda-feira (12), deixando claro que não aceitaria questionamentos de sua vitória contestada, quer da parte do Ocidente quer de seu principal rival, que está contestando o resultado da eleição na Justiça.

Em seu primeiro discurso público desde que ele e seu partido Zanu-PF foram consagrados como vencedores por margem esmagadora nas eleições presidencial e legislativa de 31 de julho, Mugabe descartou seus rivais derrotados como "títeres patéticos" e "testas de ferro manipulados pelo Ocidente".

O Movimento pela Mudança Democrática (MDC), de Morgan Tsvangirai, rival de Mugabe, recorreu à Justiça na sexta-feira contra a reeleição por larga margem anunciada pelo adversário, alegando manipulação generalizada de votos e intimidação de eleitores pelo Zanu-PF.

O resultado prolongará por mais cinco anos o domínio que Mugabe exerce há 38 anos sobre o país sul-africano antes conhecido como Rodésia. Mugabe, 89, é o mais velho líder africano.

Apontando para múltiplos problemas na votação mencionados por observadores internos, governos ocidentais, especialmente o dos Estados Unidos, questionaram a credibilidade do resultado eleitoral e estão considerando se devem prolongar as sanções contra Mugabe.

Em contraste, observadores de grupos diplomáticos africanos no geral aprovaram a votação do Zimbábue como ordeira e livre.

"Vencemos por margem tão esmagadora que algumas pessoas estão sofrendo muito", disse Mugabe em um comício em Harare para celebrar o Dia dos Heróis, uma comemoração anual daqueles que lutaram para libertar o Zimbábue do domínio da minoria branca, o que levou à independência do país em 1980.

"Se eles não conseguem engolir a derrota, podem se enforcar", disse Mugabe, atraindo aplausos de milhares de partidários do Zanu-PF.

O MDC, de Tsvangirai, que classificou a votação de 31 de julho como "fraude monumental", boicotou o comício no túmulo dos Heróis Nacionais, afirmando que não queria conviver com "ladrões de votos".

A constituição do Zimbábue dispõe que o mais alto tribunal do país deve decidir em 14 dias sobre a contestação do MDC ao resultado da eleição presidencial. Os analistas preveem que o desafio dificilmente prosperará porque o Zanu-PF domina o Judiciário e as instituições do Estado.

Jekesai Njikizana/AFP
Robert Mugabe discursa em Harare, durante celebração do Dia dos Heróis
Robert Mugabe discursa em Harare, durante celebração do Dia dos Heróis

"RELÂMPAGO MÍSTICO"

Em mensagem de Dia dos Heróis, Tsvangirai, o líder do MDC, reiterou sua acusação de que Mugabe e o Zanu-PF manipularam a eleição, afirmando que o Zimbábue estava "de luto pela audácia de tão poucos no roubo dos votos de tantos".

Ele se declarou o vitorioso nas urnas, e não Mugabe.

Nos argumentos apresentados ao Tribunal Constitucional solicitando um novo pleito, o MDC alegou que centenas de milhares de eleitores foram rejeitados nos postos de votação e que as listas eleitorais continham falhas, entre as quais pelo menos 870 mil nomes duplicados.

Uma avaliação preliminar pela principal organização de fiscalização eleitoral, a Rede de Apoio Eleitoral do Zimbábue (ZESN), definiu a votação como "seriamente comprometida", afirmando que problemas de registro podem ter privado até um milhão de pessoas, entre os 6,4 milhões de eleitores do país, de seu direito de ir às urnas.

Mas missões de observadores da União Africana e Comunidade de Desenvolvimento do Sul da África (SADC), uma organização regional, em geral aprovaram a votação e apelaram a todos os partidos que aceitassem pacificamente os resultados.

Alguns chefes de Estado de países vizinhos, como Jacob Zuma, da África do Sul, e o presidente Armando Guebuza, de Moçambique, congratularam Mugabe calorosamente por sua reeleição.

Mas o governo de Botsuana apelou por uma auditoria independente da votação do Zimbábue, afirmando que os indícios disponíveis até agora significavam que ela não podia ser descrita como livre e justa.

Mugabe, descrito como ditador impiedoso no Ocidente mas visto por alguns como o mais educado líder africano devido à coleção de títulos acadêmicos que obteve nos 10 anos passados na prisão sob o governo branco da Rodésia, não mediu palavras ao expressar seu desdém pelos rivais derrotados na eleição.

"Depois que eles morrerem, nem os cachorros vão querer a carne de seus corpos. Farejarão a carne e irão embora", ele disse, falando em shona, o idioma da maioria étnica do Zimbábue. Ele descreveu sua vitória como "um relâmpago místico" contra os inimigos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: