Folha de S. Paulo


Extremistas ironizam reação dos EUA a ameaça no Iêmen

Jihadistas e seus partidários começaram a festejar a desgraça alheia na semana passada, assim que os Estados Unidos fecharam quase duas dúzias de representações diplomáticas no Oriente Médio em resposta a uma ameaça terrorista.

"Deus é grande! A América está em condição de terror e medo da Al Qaeda", escreveu um jihadista num fórum online. Outro se alegrou: "A mobilização e as medidas de segurança estão custando bilhões de dólares a eles [os americanos]. Esperamos ouvir notícias de mais guerra psicológica desse tipo, mesmo que não haja operações jihadistas concretas."

Os jihadistas não são os únicos que estão vendo o novo alerta de terrorismo com uma dose de cinismo.

Por mais justificada possa ser em vista da seriedade da ameaça, a decisão tomada pela administração Obama de afastar tantos diplomatas de seus postos de maneira tão repentina causou incômodo a alguns aliados dos EUA. Eles dizem que o gesto contribui para um senso de pânico e impressão de fraqueza, coisa que beneficia os inimigos dos EUA e dificulta os esforços dos aliados para conseguir a adesão das pessoas em seus países.

Também alguns funcionários dos EUA dizem achar que a administração teve uma reação exagerada, em grande medida devido às consequências políticas do ataque do ano passado à missão diplomática americana em Benghazi, na Líbia, no qual o embaixador americano J. Christopher Stevens foi morto. Desde o ataque os procedimentos de segurança foram intensificados em representações diplomáticas dos EUA em todo o Oriente Médio. As embaixadas americanas já estão tão fortemente protegidas contra ataques que muitos diplomatas dizem que está se tornando mais e mais difícil para eles chegar até seus locais de trabalho.

"Acho que desde Benghazi a administração está em postura defensiva e está optando pelo máximo possível de segurança", disse Will McCants, ex-funcionário de contraterrorismo do Departamento de Estado e hoje analista do Centro de Análises Navais, em Alexandria, Virgínia.

Na terça-feira o governo iemenita divulgou uma rara crítica pública à administração Obama, declarando em comunicado à imprensa que a retirada dos diplomatas "favorece os interesses dos extremistas" e prejudica a cooperação com os Estados Unidos. Como que em resposta ao gesto, na quarta-feira o Iêmen anunciou ter frustrado uma conspiração espetacular para explodir oleodutos e tomar controle dos principais portos do país. O anúncio foi saudado por analistas nos EUA e outros países como pouco mais que um gesto de cínico teatro político cujo objetivo seria mostrar que o Iêmen é capaz de derrotar a Al Qaeda por conta própria.

O fechamento das representações diplomáticas pode ter sido especialmente frustrante, dizem analistas, porque no ano passado a administração descreveu a Al Qaeda como estando enfraquecida.

"A impressão que a administração criou foi que a Al Qaeda estaria morta ou perto da morte", comentou Bruce Riedel, ex-agente da CIA e acadêmico do Brookings Institution. "Se é esse o caso, por que reagimos com tanta preocupação a uma conversa entre dois líderes da Al Qaeda?"

A conversa interceptada em questão se deu entre Ayman al-Zawahri, que sucedeu a Osama bin Laden como líder da Al Qaeda, e Nasir al-Wuhayshi, líder da Al Qaeda na Península Arábica, centrada no Iêmen. Autoridades e parlamentares americanos disseram que a conversa revelou a existência de um dos mais graves complôs terroristas contra interesses ocidentais desde os ataques de 11 de setembro de 2011.

Mas o caráter vago da ameaça torna mais fácil questionar a reação da administração Obama. Os dois homens não especificaram a natureza ou local do ataque, segundo autoridades americanas. O momento em que ocorreria também não ficou claro, embora seja provável que fosse previsto originalmente para o domingo.

"Quando você tira diplomatas das embaixadas, você assinala que todo o esforço para construir confiança no establishment de segurança iemenita não valeu nada", comentou um representante iemenita, exigindo anonimato para falar. "E todos os projetos de desenvolvimento da Usaid e suas contrapartes no Reino Unido, Alemanha e outros países --tudo isso é paralisado."

Tradução de CLARA ALLAIN


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