Folha de S. Paulo


Quando assumir, herdeiro real terá sequência sem fim de compromissos entediantes

Mesmo do ponto de vista de rebento que viesse a ser concebido por Neymar e Bruna Marquezine, há de se argumentar que o bebê Windsor, primeiro filho dos Duques de Cambridge, tirou a sorte grande. O bochechudo não poderia teria nascido em berço mais privilegiado.

E, se os regimentos reais continuarem a marchar pelo Mall diante do soberano britânico para celebrar a data do seu aniversário, como tem sido desde 1748, o primogênito de William e Kate dificilmente será vítima de overbooking no embarque do aeroporto ou lhe será negado atendimento VIP na Vivo ou mesmo na fila do crediário das Casas Bahia.

Em compensação... Parece animador pensar que um dia ele terá 62 milhões de súditos em casa e outros 72 milhões entre os membros da Commonwealth, espalhados por Canadá, Austrália e até na ilha de Tuvalu, no Pacífico.

Mas só de pensar na quantidade de apertos de mão que será obrigado a dar a cada saída oficial ou em uma vida inteira de acenos atrás do vidro blindado do Bentley real que o levará de um compromisso ao outro, já começo a sentir uma fisgada no cotovelo.

Imagine ver o síndico do seu prédio escolhido por hereditariedade. Ou o presidente da Petrobras. Pois o mero acidente de vir ao mundo já fez o bebê real ultrapassar seu tio Harry na sucessão ao trono. Antes dele, agora só há Charles e William.

E tomar o lugar que hoje pertence a Elizabeth 2ª por "acidente de nascimento" significa inclusive tornar-se o "defensor da fé" anglicana, posição que, para os católicos, equivale à do papa.

Nessas condições, digamos que a vocação para ser ator shakesperiano ou o sonho de jogar pelo Tottenham Hotspur estarão comprometidos.

O príncipe Charles foi o primeiro herdeiro ao trono a obter diploma universitário. William foi o segundo e dali, assim como o pai, se mandou para a academia militar e assumiu posto na Marinha.

Espera-se de qualquer membro da família real que passe pelas mesmas experiências vividas pela população (pronto, você matou a charada de por que a rainha se veste tão mal e nunca usa roupas de grife --ela precisa parecer gente como a gente).

Editoria de Arte/Folhapress

Pois então. Há soldados britânicos morrendo no Afeganistão? Lá vai o Harry para a frente de batalha. O Reino Unido está em guerra pelas Malvinas? Chispa o príncipe Andrew para uma missão no Atlântico Sul.

Mas um herdeiro, por mais que brilhe na escola militar de Sandringham, jamais será exposto ao front. Irmãos de reis são dispensáveis. Perder príncipes herdeiros, porém, seria impensável, e a crise institucional, inevitável.

Ou seja, o cuidado com o bebezinho será enorme desde que sair da maternidade. Charles, William e Harry jogam polo, caçam (para desgosto de Diana, que odiava ver os filhos abatendo animais) e se empenham em atividades ao ar livre.

Esta pobre criança será obrigada a fazer de tudo um pouco esperando para assumir sua verdadeira função. E isso, se a gente for otimista, só vai acontecer daqui a uns 50 anos (Charles já passou dos 60 e continua "desempregado"). Quando assumir, aí sim é que sua vida se tornará uma sequência sem fim de compromissos entediantes.

Tratei de pinçar dois dias seguidos, dos mais triviais, na agenda da rainha Elizabeth, para servir de exemplo. São 330 dias de trabalho semelhantes ao ano. Sinta só:

19/10/1984: quatro audiências matinais no palácio de Buckingham; almoço em homenagem ao presidente de Moçambique; participação na missa dos Navegantes na catedral de St. Paul's; recepção para delegados da 22ª Conferência da Commonwealth.

20/10/1984: uma investidura no palácio de Buckingham; duas audiências; recepção ao presidente da República Francesa.

Bem, ao menos ficou tudo em casa. Já dá para levantar um brinde em homenagem ao pimpolho?


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