Folha de S. Paulo


Muhammad Assaf, 23

Vencedor do 'Arab Idol', refugiado se torna símbolo para os palestinos

RESUMO Muhammad Assaf, 23, cresceu no campo de refugiados palestinos de Khan Yunis, na faixa de Gaza. Até recentemente, ele era cantor de casamentos. Com a vitória no "Arab Idol", competição de música na TV com concorrentes de vários países, o jovem se tornou um ícone da resistência palestina e foi recebido como herói. Lida com assédio de fãs e com uma realidade que, diz, extrapola seus sonhos de criança.

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Eu nasci na Líbia e me mudei para a faixa de Gaza aos cinco anos. Passei minha vida inteira no campo de refugiados Khan Yunis. Vi o sofrimento do povo. Me lembro de brincar nas ruas, sem meus sapatos. Era uma vida sob a ocupação israelense.

Sofri como todo mundo. Vi a intifada (revolta palestina), as guerras de 2009 e de 2012, o fechamento das fronteiras, o bloqueio marítimo.

Quando decidi participar do "Arab Idol", tive de passar uma semana me preparando para conseguir ir ao Egito. Não é fácil sair de Gaza, na situação política atual, especialmente na minha idade.

Demorei dois dias para ir até o teste. Cheguei às 7h30, como tinha sido pedido, mas outros concorrentes chegaram às 4h30. Já tinham fechado os portões. Fiquei fora.

Me senti sem saída. Tinha feito tanta coisa. Tentei entrar diplomaticamente, mas não consegui. Andei ao redor e descobri um muro. Pulei.

Quando me viram, outras pessoas começaram a pular também. Os seguranças me pegaram. Tentei explicar o quanto eu tinha sofrido para chegar até ali. Eles entenderam e me deixaram entrar.

Mas, quando entrei, já tinham terminado de distribuir as senhas aos participantes. Vi que havia pessoas que, mesmo com números, não iriam participar. Eu poderia comprar um deles. Mas então conheci um grupo de pessoas e nós começamos a cantar uns para os outros.

Eles se surpreenderam com a minha voz. Me disseram: "Você não tem uma senha, mas tem essa voz?". Então me ofereceram números e comecei a rir. Um cara me deu a senha sem hesitar.

Eu disse a ele que não podia aceitar, já que nós dois tínhamos o mesmo sonho. Ele me disse que, se eu participasse, iria chegar até a final. Nunca me esqueci disso.

Em uma noite, eu venci o "Arab Idol". Hoje, me fazem ofertas com que nunca sonhei. Queria uma pequena parte, agora tenho muito. É grande demais. Não é que isso me incomode, mas estou cansado. Quero ter mais tempo para pensar, para organizar os meus projetos.

Se falarmos sobre a reação das pessoas ao me ver nas ruas, nunca vamos parar. O melhor de tudo é ter o amor do povo. Isso vale mais do que dinheiro e fama.

RESPIRAR

Ser famoso nunca vai mudar Muhammad Assaf, que veio de uma vida difícil. Não vou me esquecer da água do banheiro escorrendo pelas ruas nem dos meus amigos. Crescemos juntos, sem eletricidade, sem gasolina. Nunca vou me esquecer de que, mesmo com toda essa impotência, os palestinos nunca deixaram de me apoiar.

Ser famoso é legal. Você tem dinheiro, as coisas ficam fáceis. Mas é difícil eu me esquecer de que sou daqui.

Nossa situação durante a ocupação nos ensina a insistir na sobrevivência. Não pensamos só em intifada. É o oposto. Amamos a vida, e precisamos construir o nosso país. Estamos cansados.

Sabemos como superar, como estar vivos. Nem que a vida seja mais difícil do que as dificuldades. Mesmo com a nossa má situação econômica, temos talento. Há milhares de pessoas talentosas nos campos de refugiados.

A música que faço é um tipo de resistência. Como disse o poeta palestino Mahmud Darwish, a revolução não é apenas armas. É também o bisturi do cirurgião, é o pincel do pintor, é a foice do camponês. A música é a nossa maneira de chegar ao coração das pessoas.

A ocupação é difícil, dolorosa. Disseram na imprensa que não pude dar a liberdade às pessoas, mas que as fiz felizes. Tenho orgulho disso. A sociedade palestina não está feliz há anos. As pessoas ficaram alegres quando um palestino venceu.

Sob todas as dificuldades, acredito que a arte é o lugar em que você respira.


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