Folha de S. Paulo


Análise: Atitude do Ocidente precisa mudar para que democracia possa prosperar no Egito

Quanto os Estados Unidos e seus aliados gastaram nas guerras travadas nos últimos dez anos? O total deve chegar aos trilhões de dólares.

Quanto esses governos investiram nos países que aspiram a criar democracias, desde o começo dos levantes da Primavera Árabe? A menos que você classifique caças F-16 como assistência, dificilmente mais de US$ 1 bilhão.

O histórico gera hesitação se o objetivo é afirmar que o Ocidente tem qualquer coisa que se assemelhe a uma receita sensata para o Oriente Médio após o golpe no Egito.

O arranjo pós-colonial da região está entrando em colapso e se tornando disputa sectária. As fronteiras estão desaparecendo em batalhas entre xiitas e sunitas e entre o islamismo e a visão laica.

No entanto, líderes políticos em Washington, Londres e Paris se ocupam principalmente com considerações sobre uma intervenção na Síria.

Se adotassem uma atitude mental diferente, teriam prestado mais atenção à colisão em câmera lenta que culminou com a derrubada de Mohammed Mursi.

Onde estava a assistência econômica prometida para ajudar a sustentar o pluralismo político depois da queda do ex-ditador Hosni Mubarak? Tenho certeza de que ouvi alguém falar sobre um Plano Marshall para a região.

Pode-se dizer que o presidente egípcio não serviu bem à própria causa. O método da Irmandade Muçulmana, depois de conquistar o governo em uma eleição livre, era o de usar a maioria para governar sem oposição, suprimindo liberdades essenciais a um sistema democrático.

Apesar disso, um golpe é um golpe, mesmo que alguns o chamem de revolução.

Talvez o general Abdel Fattah al-Sissi, o ministro da Defesa egípcio, realmente pretenda cumprir o que promete: um retorno rápido ao governo civil e uma constituição pluralista. Mas a Irmandade Muçulmana não pode ser excluída de um acordo nesse sentido.

Obama tomou cuidado para não definir o acontecido como golpe para não ter que suspender US$ 1 bilhão em assistência anual oferecida ao país -- a maior parte em equipamentos militares.

Essa assistência é a alavanca de que os EUA dispõem para influenciar as Forças Armadas. Sem dúvida será usada para instar o retorno rápido ao governo civil. Mas é difícil determinar se isso resolverá alguma coisa.

O Egito precisa de duas coisas para construir uma democracia. A primeira é assistência maciça para modernizar a economia e manter as pessoas fora das ruas enquanto as constituições são redigidas e as instituições são criadas.

A segunda é assessoria especializada e incentivos poderosos para a criação de um ecossistema político no qual forças políticas opostas possam florescer.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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