Folha de S. Paulo


Exército e aliados de Mursi se enfrentam em dia de protestos no Egito

Pelo menos dez pessoas foram mortas nesta sexta-feira no Egito durante confrontos entre militares e aliados do presidente deposto, Mohammed Mursi.

A Folha testemunhou a repressão do Exército aos milhares de manifestantes diante do quartel da Guarda Republicana, onde, segundo fontes na Irmandade Muçulmana, está detido o presidente islamita.

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Não estava claro como foi iniciado o embate. Mas um vídeo disponível no YouTube aparentemente mostra um militante ser morto a tiros pelas Forças Armadas.

Diante da reportagem, a multidão de simpatizantes de Mursi fugia de disparos de gás lacrimogêneo. Ativistas, com dificuldade para respirar, corriam na direção oposta do quartel. Alguns vomitavam.

Ahmad Nada
Homem é resgatado em ambulância após ser baleado em protesto em frente ao quartel da Guarda Revolucionária no Cairo
Homem é resgatado em ambulância após ser baleado em protesto em frente ao quartel da Guarda Revolucionária no Cairo

A centenas de metros da entrada do quartel, um homem ensanguentado era levado a uma ambulância. Não foi possível determinar a origem do ferimento, mas ele parecia ter sido atingido na região do pescoço.

O Exército afirma usar apenas tiros para cima, para afastar manifestantes. Ativistas cantavam aos militares, simultaneamente -"Ihna masriin", "nós somos [todos] egípcios". Ou mostravam cópias do Corão a soldados e diziam que, sendo todos irmãos, deveriam estar juntos nas ruas.

Membros da Irmandade Muçulmana realizam hoje ato em repúdio ao golpe militar que depôs Mursi na quarta-feira (3). Ouvidas pela Folha, autoridades da organização repetiam durante a semana que toda a resistência seria pacífica.

Diante da repressão, no entanto, está difícil estabelecer qual será o cenário futuro. A Irmandade Muçulmana está aquartelada na mesquita de Rabia al-Adawiya, cercada por homens com capacetes de construção civil e pedaços de pau. A reportagem apurou que ao menos 200 foram contratados como segurança.

Os manifestantes islamitas afirmam estar em defesa da legitimidade de Mursi --primeiro presidente eleito democraticamente no Egito. O país observa os protestos com atenção, em busca de indícios de uma possível guinada à resistência violenta.

IRMANDADE

A Irmandade Muçulmana tem sofrido revezes políticos desde a deposição de Mursi --que se encontra detido pelos militares. Além dele, ao menos oito membros da organização foram presos, e há relatos de ordem de prisão a outros 300 islamitas.

Na quinta-feira, houve a informação de que o líder religioso da Irmandade, Mohamed Badie, havia sido preso no noroeste do Egito, mas ele reapareceu nesta sexta-feira, durante discurso em Cidade Nasr, perto do Cairo.

Ouvido pela Folha durante a semana, Gehad al-Haddad, porta-voz da irmandade, denunciou haver uma perseguição ao grupo. Membro da organização acusam o Exército de contratar gangues para, disfarçados de militantes da oposição, agredi-los. Dezenas de pessoas morreram nesta semana em embates.

Na madrugada, militantes islamitas atacaram um aeroporto no deserto do Sinai, deixando um soldado morto e dois feridos, de acordo com informações da agência de notícias estatal. Houve confrontos em outros pontos da região, e há relatos de que as Forças Armadas perseguiam militantes usando helicópteros militares.

Em seu discurso de posse, na quinta-feira (4), o presidente interino Adly Mansur havia acenado aos setores islamitas, convidando-os ao debate político que deve levar às eleições presidenciais e parlamentares -ainda sem prazo determinado. No entanto, as ações do governo tem apontado direção outra.

Entre islamitas, há receio de que o país retorne a um período em que, a exemplo do visto durante a ditadura de Hosni Mubarak, os membros da Irmandade Muçulmana sejam perseguidos e impedidos de exercer atividade política. Há temor, também, de que grupos militantes islamitas, como o Gamaa al-Islamiya, voltem a recorrer à resistência armada.


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