Folha de S. Paulo


Análise: Eleições iranianas têm espaço para surpresa, mas sistema vencerá

Os iranianos votaram na sexta-feira (14), para escolher entre seis candidatos à Presidência depois que dois candidatos abandonaram a campanha em seus dias finais.

Um deles era o último dos candidatos abertamente reformistas, Mohammad Reza Aref, que abandonou a disputa e passou a apoiar o moderado Hassan Rouhani. Mas a campanha eleitoral não se inflamou como aconteceu em 2009, quando surgiu o Movimento Verde, o qual durante algum tempo pareceu a ponto de transformar a república islâmica. E isso não está acontecendo por acaso.

Os debates televisionados da semana passada giraram em torno da economia e da questão nuclear. Com desemprego de mais de 20% e inflação anual superior a 40%, o Irã desafiando os Estados Unidos e seus aliados quanto à questão nuclear e sofrendo o que na prática consiste de um bloqueio econômico, seria de esperar que os debates fossem ferozes.

Na realidade, produziram raras críticas à posição de negociação do governo no diálogo nuclear (por parte do ex-ministro do Exterior Ali Akbar Velayati, que atacou o candidato preferido do regime, o negociador nuclear Saeed Jalili). Os debates não capturaram a imaginação popular e foram ridicularizados por alguns iranianos pelo formato canhestro. (Em dado momento, por exemplo, um moderador exibiu imagens aleatórias em uma tela e pediu que os candidatos dissessem o que pensavam sobre o que elas sugeriam.)

A despeito das formidáveis restrições, a política iraniana tem algo de irreprimível e formidável, e passadas eleições presidenciais produziram surpresas. A eleição do presidente Mohammad Khatani em 1997, a de Mahmoud Ahmadinejad em 2005 e as grandes manifestações de 2009 contra a reeleição de Ahmadinejad --tudo isso surgiu de modo completamente inesperado.

Para o líder supremo do Irã, Ali Khamenei, e o círculo de assessores que o servem, o dilema de 2013 vem sendo como evitar surpresas e garantir um resultado seguro --um que sustente a estabilidade do sistema, ou "nezam", em farsi-- e, ao mesmo tempo, retenha interesse público suficiente para gerar uma presença saudável nas urnas que possa ser apresentada como endosso popular ao sistema.

O dilema reflete a tensão ainda não resolvida que existe na constituição da república islâmica do Irã entre o princípio da supervisão religiosa paternalista (cristalizada na pessoa de Khamenei, sucessor do aiatolá Khomeini) e da participação popular no governo por meio de eleições. Islâmica ou república?

Khamenei e seus assessores sempre optarão por errar em benefício da cautela e controle, evitando o risco que acompanharia uma participação popular livre. O meio primário de manipulação de eleições pela liderança do Irã é a pré-seleção de candidatos. Centenas --às vezes milhares-- deles são excluídos pelo Conselho Guardião, a cada pleito.

As exclusões da lista de candidatos à Presidência nesta eleição foram significativas. Ahmadinejad mesmo não podia disputar a reeleição porque a constituição iraniana (como a dos Estados Unidos) não permite que um presidente sirva por mais de dois mandatos consecutivos. A exclusão de Esfandiar Rahim Mashaej, aliado próximo do presidente, selou o retorno de Ahmadinejad à obscuridade, ao menos por enquanto.

O outro grande nome a ser excluído foi o do ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani. Nos anos 80 e começo dos 90, Rafsanjani era um dos homens mais poderosos do país, se não o mais poderoso, e continua a deter postos importantes.

Sua exclusão demonstra uma vez mais que o poder no Irã está concentrado nas mãos de alguns poucos conservadores da linha dura. Rafsanjani foi vetado porque, quando o sistema passou por seu momento de oscilação depois da eleição de 2009, ele criticou a condução do pleito, se alinhando ao Movimento Verde. Todos têm de se comportar, se querem continuar participando da festa. Na época do aiatolá Khomeini, a festa admitia muita gente. O fundador da República Islâmica cuidava de levar em conta uma ampla variedade de opiniões e visões. Sob Khamenei, o número de convidados diminuiu e mais gente se viu relegada ao lado de fora.

Além das exclusões, os reformistas também sofrem de falta de liderança. Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi, os candidatos reformistas de 2009, continuam sob prisão domiciliar. Muitos jornalistas e outras pessoas importantes alinhadas ao Movimento Verde deixaram o país depois de 2009. Outros continuam na prisão, e houve novas detenções preventivas recentemente.

Rafsanjani vem encorajando os moderados e reformistas a votar em Rohani, um aliado próximo do ex-presidente. Porque ainda há seis candidatos na disputa (em 2009, havia apenas quatro), é provável que nenhum deles consiga maioria absoluta no primeiro turno, o que tornará necessário um segundo turno no qual os dois candidatos com maior número de votos se defrontarão.

Ainda resta algum espaço para surpresas, mas na situação atual é difícil ver como o sistema não venceria.

Existe uma impressão, reforçada pelos ataques à sua condução das negociações nucleares com o Ocidente durante o debate, de que Jalili não realizou uma boa campanha. Velayati conseguiu mostrar postura de estadista, e contaria com a plena confiança de Khamenei nas futuras negociações nucleares, mas enfrentaria dificuldades para atrair o voto popular. Rouhani pode se sair melhor na eleição, mas Khamenei confiaria em um protegido de Rafsanjani? O grupo dominante pode sair por cima uma vez mais, mas não deveria presumir que será capaz de sustentar seu poder em condições de colapso econômico causado pelas sanções continuadas.

Uma coisa é certa: quem quer que vença não terá um trabalho fácil, preso entre as exigências do líder supremo, um eleitorado cada vez mais desesperado e potências estrangeiras hostis.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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