Folha de S. Paulo


Para candidato do Irã, mulher não deve trabalhar

Um candidato destoa de todos os outros sete na disputa pela Presidência do Irã.

O negociador nuclear Said Jalili, 47, é contra fazer concessões ao Ocidente, contra abertura econômica e contra a igualdade de gênero.

Ontem, no segundo debate entre presidenciáveis, Jalili criticou a presença feminina no mercado de trabalho em países ocidentais.

"[Para os ocidentais], criar uma família não é algo importante [...]. Na nossa cultura as mulheres se inserem no contexto da maternidade, e não as vemos como ferramenta econômica", disse Jalili.

Com uma campanha norteada pela temática da "resistência", o diplomata defende, porém, que as iranianas participem do esforço nacional para fazer frente aos inimigos.

Como exemplo, citou o papel feminino na guerra contra o Iraque (1980-88), quando mulheres cuidavam de feridos em hospitais e sacrificavam seus filhos em nome da nação e do islã.

Guerra e sacrifício são temas centrais no pensamento de Jalili, que teve a parte inferior da perna direita amputada após se ferir na luta contra tropas do então ditador Saddam Hussein.

Na época da guerra, Jalili acabava de sair da adolescência. Ele ficou profundamente marcado pelos massacres de civis iranianos por armas químicas entregues pelo Ocidente ao Iraque.

Ele já havia nutrido pavor dos EUA pelo apoio ao regime do xá Mohamed Reza Pahlevi, varrido do poder com o levante de 1979.

"A revolução islâmica definiu minhas ideias, e hoje vemos que uma nação pode defender seus direitos e progredir, contrariando o desejo dos EUA", disse Jalili em entrevista ao site Al Monitor.

Jalili ingressou na carreira diplomática logo após a guerra, cultivando sempre a ideia de um Ocidente hostil, que norteia sua abordagem no diálogo nuclear.

Embora a estratégia seja definida pelo líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, o chefe negociador iraniano dá o tom nas conversas e pode assessorar seus superiores.

Na gestão Jalili, iniciada em 2007, o Irã endureceu o jogo e descartou fazer concessões, jogando para as potências a responsabilidade de reconhecer o direito de Teerã enriquecer urânio para fins pacíficos.

EUA e aliados dizem que cabe ao Irã provar que não fabrica a bomba e multiplicam sanções para forçar concessão. Cada vez mais isolado, o regime perdeu metade da sua renda com exportações de petróleo, enquanto os iranianos sofrem disparada de inflação e desemprego.

"Não a um acordo, não à concessão, somos simpatizantes de Jalili", gritam, em coro, os apoiadores do diplomata durante comícios.

A estudante Azadeh A., 34, explicou porque votará nele. "É o político mais puro no Irã. Ele não busca poder nem riqueza", disse, ecoando a imagem, martelada pela mídia estatal, de um homem simples que dirige carro popular.

LEALDADE IDEOLÓGICA

O alinhamento à ideologia revolucionária reforça suspeitas de que Jalili é a opção predileta do líder supremo. Khamenei nega.

Todos os demais candidatos, entre os quais Ali Akbar Velayati, o mais próximo assessor de Khamenei, defendem algum tipo de pragmatismo para aliviar a crise econômica.

"Jalili é o candidato que diz 'sim senhor', e é disso que o regime está precisando", disse à Folha um assessor pró-reformas.

Um alto funcionário do regime, que preferiu não se identificar, elogia Jalili, com quem conviveu. "É um idealista". Segundo ele, Jalili considera a América Latina a única parceria confiável no Ocidente. "Ele tem um apreço especial pelo Brasil", diz.


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