Folha de S. Paulo


Opinião: Levantando o embargo da UE à Síria

A iniciativa tomada hoje pelo Reino Unido e a França é a correta.

Durante boa parte dos últimos dois anos as potências mundiais vêm assistindo à guerra civil na Síria se aprofundar, com um sentimento de impotência diante do número crescente de mortos e a ameaça cada vez maior à segurança no Oriente Médio.

Nos próximos dias, porém, a atividade diplomática internacional vai se intensificar de duas maneiras que merecem ser acompanhadas de perto.

A grande dúvida na agenda é se os EUA e a Rússia vão conseguir convocar uma conferência de paz em Genebra no próximo mês que reúna representantes do regime do ditador Bashar al-Assad e dos rebeldes que o combatem.

Se a conferência acontecer, o objetivo será forjar alguma espécie de acordo político que ponha fim à guerra civil. A maioria dos analistas é altamente cética quanto às possibilidades de ser alcançado qualquer acordo com o regime de Assad, depois dos massacres que ele cometeu contra sua própria população. Mas a administração Obama acredita que vale a pena tentar.

Em Bruxelas, hoje, terá lugar outra iniciativa potencialmente significativa. O Reino Unido e a França vão procurar acrescentar uma emenda ao embargo de armas da UE à Síria, permitindo que os dois países transfiram armas aos rebeldes em uma data futura.

A iniciativa é rejeitada por vários países da UE, como a Áustria, receosos de que tais transferências de armas não façam mais que inflamar o conflito. Mas Londres e Paris já assinalaram que, se não conseguirem fazer aprovar a emenda hoje, vão vetar a continuidade do embargo existente.

Será aberto o caminho para transferências de armas pelo Reino Unido e a França em data ainda não especificada.

À primeira vista essas duas iniciativas parecem ser contraditórias. Se uma conferência de paz está prestes a acontecer, uma iniciativa tomada neste momento por potências ocidentais para armar os inimigos de Assad pode parecer provocação.

Mas William Hague, o secretário do Exterior britânico, apresenta um argumento plausível em favor de se seguir adiante com o plano.

Ele afirma que, embora o Reino Unido certamente queira ver a guerra civil resolvida com uma solução diplomática, o Ocidente precisa continuar a fazer pressão sobre Assad para que ele venha à mesa, negocie e cumpra os termos de qualquer acordo que possa vir a ser fechado.

Um sinal das potências ocidentais de que podem transferir armas para os rebeldes em alguma data futura seria útil nesse sentido.

Se o Reino Unido e a França alcançarem seu intento hoje, não devemos exagerar o significado do momento. A posição militar do regime Assad em campo ainda é forte; na realidade, ela melhorou nos últimos dias.

O fornecimento de armas pelo Reino Unido e a França não mudaria o equilíbrio do conflito de modo a prejudicar o regime, a não ser que fosse feita em escala realmente grande. Além disso, muitos diplomatas crêem que o que as forças oposicionistas precisam realmente é de coordenação e treinamento, não de mais armas.

Mas a iniciativa britânica e francesa se justifica por uma razão chave. Ela vai fortalecer os rebeldes moderados que combatem o regime de Assad e são liderados pelo general Selim Idriss, comandante do Exército Sírio Livre.

Há algum tempo já, muitas armas do Qatar e da Arábia Saudita vêm chegando às mãos de forças militantes, inclusive jihadistas, na Síria, sem que o general Idriss tenha controle de quem recebe o quê. Um fornecimento de armas diretamente para ele, vindas do Reino Unido e da França, poderia fortalecer sua posição no interior da oposição.

Alguns dos setores que fazem críticas a tal transferência de armas --por exemplo, o oposicionista Partido Trabalhista britânico-- têm preocupações legítimas. Querem garantias de que as armas não acabam em mãos de jihadistas.

Além disso, temem que, a partir do momento em que governos ocidentais passarem armas aos rebeldes, esses governos poderão ser responsabilizados por quaisquer violações dos direitos humanos que essas forças possam cometer em campo.

Se o Reino Unido e a França transferirem armas ao general Idriss, esses receios terão que ser discutidos no Parlamento. Por enquanto, o rumo que Londres e Paris estão seguindo é correto.

As forças moderadas que fazem oposição ao regime de Assad foram deixadas sem ajuda alguma neste conflito. Fornecer armas a elas as dotará da moeda da influência. Em última análise, fornecer armas aos rebeldes vai fortalecer a oposição moderada que combate Assad.

Tradução de CLARA ALLAIN


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