Folha de S. Paulo


Gaza se revolta por Israel negar execução de garoto-símbolo

Jamal al-Dura, 50, aperta a mão da reportagem nas ruas de Gaza. Seu braço direito está coberto de cicatrizes. Seus dedos, desfigurados.

Para comissão israelense, vídeo é montagem

Naquela mesma semana, autoridades israelenses concluíram que as imagens dele e de seu filho Muhammad sob fogo cruzado, em 2000, durante a segunda Intifada (levante palestino contra a ocupação de Israel), não provam que eles foram feridos pelas Forças de Defesa israelenses.

O garoto foi supostamente morto durante o incidente. Dura diz ter tido o braço incapacitado enquanto tentava se esquivar dos disparos.

O relatório, encomendado pelo premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, foi recebido com ultraje por Dura e por outros que dizem ter testemunhado a morte de Muhammad, então com 12 anos.

A gravação, veiculada pelo canal "France 2", mostra ambos acuados atrás de uma pequena mureta enquanto são alvejados.

Rapidamente, as imagens foram retransmitidas no mundo inteiro e se tornaram um símbolo da violência israelense na segunda Intifada (2000-2005). O túmulo do garoto, visitado pela reportagem, o homenageia como "criança mártir".

"Os israelenses estão perturbados por ter cometido o crime e querem encobri-lo", diz Dura. "A imagem de Israel após a morte de Muhammad ficou muito ruim."

Ele afirma estar disposto a abrir o túmulo de seu filho e provar que ele foi morto pelos disparos dos soldados.

"Eu me lembro daqueles momentos. Não posso me esquecer. Meu filho foi morto."

AFP
Imagens de TV reproduzem ataque que terminou com a morte do garoto Muhammad, 12, em 2000
Imagens de TV reproduzem ataque que terminou com a morte do garoto Muhammad, 12, em 2000

NÉVOA DA GUERRA

Entre os envolvidos na história, há dúvidas de por que as autoridades reviveram o caso, 13 anos depois.

Uma pessoa ligada ao Ministério de Assuntos Internacionais e Estratégia de Israel disse à Folha que o governo avalia ter sido um equívoco não produzir esse relatório à época do incidente --mas que "antes tarde do que nunca".

Para o cinegrafista Talal Abu Rahma, que registrou as imagens de Dura e seu filho para o "France 2", "a testemunha é a câmera", e não ele próprio. Ele diz que "a verdade aparecerá".

Em seu escritório em Gaza, Rahma diz que as alegações técnicas israelenses quanto às gravações --incluindo o corte final, que não mostra claramente o cadáver do garoto-- não levam em conta que foram registradas sob a névoa da guerra. "Acham que estamos fazendo cinema, e não notícias."

TESTEMUNHAS

A Folha esteve no cruzamento em que Muhammad foi supostamente morto. Um soldado palestino abandonou sua posição, nas proximidades, para apontar onde o garoto estava quando foi alvejado pelos israelenses.

Diante do cemitério onde Dura diz que o garoto está enterrado, Yahya al-Gernawy, 49, interpela a reportagem para afirmar: "Eu vi o corpo, estava morto."

O motorista Ashraf al-Masry, que diz ter presenciado a morte de Muhammad a uma distância de dez metros, também confirma a versão de Dura e de Rahma.

Segundo o relatório israelense, as imagens do episódio "serviram de inspiração e justificativa para o terrorismo, o antissemitismo e a deslegitimização de Israel".

"Não há evidência de que Jamal ou o garoto foram feridos da maneira dita na reportagem", diz o texto. "Pelo contrário, há diversos indícios de que ambos nem foram atingidos por disparos."


Endereço da página:

Links no texto: