Folha de S. Paulo


Jovens aderem à guerrilha islâmica no Cáucaso

KHASAVYURT, Rússia - O ex-guerrilheiro de 22 anos estava diante de autoridades da prefeitura da cidade para expressar seus remorsos. Dzhabrail Altysultanov disse que uma lavagem cerebral o tinha levado a pegar em armas contra o Estado e "ir para a floresta" e que seu desejo era esquecer que isso tinha acontecido um dia.

O vice-prefeito de Khasavyurt, cidade próxima da fronteira da Tchetchênia, admitiu que, na maioria das vezes, pessoas como o rapaz em questão não retornavam da floresta com vida.

O fato de Tamerlan Tsarnaev, um dos suspeitos dos ataques a bomba na maratona de Boston, ter passado seis meses no território russo do Daguestão no ano passado chamou a atenção para a guerra de guerrilha travada no norte do Cáucaso.

Investigadores estão se esforçando para entender o que Tsarnaev procurava na região, que testemunha uma guerra travada às margens da vida normal.

Homens jovens desaparecem de suas casas e ressurgem depois em contagens dos mortos de operações de contraterrorismo.

Dmitry Kostyukov/The New York Times
Orações numa mesquita em Khasavyurt, no Daguestão, Rússia
Orações numa mesquita em Khasavyurt, no Daguestão, Rússia

Embora o número de combatentes provavelmente não passe de algumas centenas, segundo a polícia, a guerrilha tem o apoio de milhares de pessoas, entre as quais figuram até mesmo policiais, que a auxiliam por medo ou solidariedade. É uma sociedade mergulhada num cabo de guerra em torno dos homens que se bandeiam para a insurgência.

"Você quer falar dos Tsarnaev", disse Saigidpasha Umakhanov, prefeito da cidade de Khasavyurt, na fronteira tchetchena. "Faz ideia de quantos Tsarnaev nós temos?" Umakhanov, que é treinador de luta livre, tem uma ideia precisa de quão próximos estão os combatentes.

Os guerrilheiros costumam recrutar atletas. Cinco dos melhores alunos de Umakhanov já se tornaram comandantes insurgentes, conhecidos como "emires". Os combatentes visitam Khasavyurt para caçar policiais -36 policiais foram mortos desde 2009- ou para deixar "flash drives" contendo mensagens de vídeo nas caixas de correio de empresários ou funcionários públicos, pedindo dinheiro e dizendo que, se não contribuírem, "Deus os castigará por meio de nossas mãos".

O Estado reage. Em abril, veículos de combate blindados e comandos mascarados cercaram o vilarejo de Gimry, nas montanhas, reduto islâmico de contestação da autoridade russa, e ordenaram a saída das mulheres e crianças.

As tropas bombardearam um desfiladeiro vizinho. Quando os moradores foram autorizados a retornar, muitas casas tinham sido revistadas e depredadas. Algumas tinham sido reduzidas a escombros.

Cerca de 350 pessoas morreram em 2012 em combates no Daguestão, que tem quase 2,9 milhões de habitantes. Dois terços dos mortos foram militantes e um terço eram policiais, segundo o serviço de notícias Causasian Knot. A mensagem das autoridades é inequívoca: a partir do momento em que um homem participa de um ataque, é pouco provável que ele continue vivo por muito tempo.

Altysultanov contou que ele e outros atletas de sua academia caíram sob a influência de Rustam Khamanayev, atleta mais velho que se descreve como "emir do jamaat de Aukhovsky". "Como Khamanayev dizia isso, eu pensava que os muçulmanos deviam viver num Estado regido pela sharia", disse Altysultanov. "Era essa nossa meta."

A campanha para reabilitar combatentes do Daguestão foi lançada quando Dmitri Medvedev, então presidente da Rússia e hoje primeiro-ministro, estava testando maneiras mais brandas de lidar com a violência no Cáucaso. Analistas citaram problemas da iniciativa, como a exigência humilhante de que cada combatente confessasse seus erros e condenasse a insurgência diante das câmeras da televisão, para finalidades de propaganda política.

Mas o maior obstáculo é o fato de que os jovens não confiam na polícia, disse Sapiyat Magomedova, advogada de Khasavyurt que representa acusados de dar apoio a insurgentes. Ela mostrou fotos de clientes que foram espancados em detenção, quando a polícia buscava confissões ou o pagamento de propinas. "Quem está empurrando esses jovens para a floresta?", indagou. "É a própria polícia. Os ultrajes e abusos cometidos por ela que levam essas pessoas a ir para a floresta."


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