Folha de S. Paulo


Ditador argentino usou Copa do Mundo para ajudar regime

Em 1978, o então presidente da Argentina, general Jorge Rafael Videla, usou a Copa do Mundo, realizada no país, como propaganda de seu governo.

À época, ele já era acusado pelo desaparecimento e tortura de presos políticos.

Morre aos 87 Jorge Rafael Videla, ditador argentino entre 1976 e 1981

Na Copa, Videla propagou o novo slogan do governo ("Somos direitos e humanos") e tentou abafar as críticas internas e mundiais.

"Há uma mancha no Mundial de 78, que não pode integrar-se na lista das façanhas esportivas nacionais", disse, em artigo publicado no jornal argentino "Perfil" em 1998, a filósofa Beatriz Sarlo.

Durante os jogos, Videla foi presença constante no vestiário antes e depois das partidas.

O time foi protegido por um forte esquema de segurança --havia a ameaça de atentados.

26.jun.1978/Efe
O ditador Jorge Rafael Videla recebe a taça da Copa de 78 das mãos de Daniel Passarella, em Buenos Aires
O ditador Jorge Rafael Videla recebe a taça da Copa de 78 das mãos de Daniel Passarella, em Buenos Aires

Naquele Mundial, há ainda outra mancha após a goleada de 6 a 0 da Argentina sobre o Peru, que classificou os anfitriões para a final --em detrimento do Brasil. Ramón Quiroga, argentino naturalizado que defendia o gol peruano, disse em 98 que ele e seus companheiros receberam dinheiro para entregar o jogo. Depois recuou.

Juan Carlos Gonzalez, que foi um dos encarregados pela segurança das seleções estrangeiras na Copa de 78, disse, em 1987, ter visto uma junta militar, liderada por Videla, entrar no vestiário peruano antes e depois dos 6 a 0. Gonzalez afirmou que não ouviu a conversa, mas notou que três jogadores do Peru ficaram bem abalados.

Em 2008, João Havelange, então presidente da Fifa no Mundial de 78, refutou qualquer ligação dele com o governo militar argentino.

"Quando cheguei à Fifa, quem decidiu que a Copa ia ser na Argentina não fui eu nem o Comitê Executivo. Foi o Congresso [da Fifa], e você não pode mudar uma decisão do Congresso. Pode falar o que quiser. Eu só apertei o governo anterior, que era da senhora do Perón [Isabelita]. Fui a ela, depois ela caiu. Faltavam dois anos para a Copa. Fui ver o presidente Videla, não o conhecia. Ele me disse: "Senhor Havelange, não vou lhe dar a melhor Copa, mas vou lhe dar uma das melhores, pode estar certo". E fez tudo.

A vitória argentina fez o hoje presidente da Fifa, Joseph Blatter, admitir, recentemente, que ficou aliviado. Para ele, o título em casa ajudou o país.

"Me lembro da minha primeira Copa do Mundo onde eu estava diretamente envolvido e posso dizer que fiquei feliz por ver a vitória da Argentina. Foi uma espécie de reconciliação entre o povo e o sistema, o sistema político, o militarismo que tinha na época", disse. "Acredito que, e esta é a minha opinião sobre esse assunto... não sei o que poderia ter acontecido se tivessem perdido aquela final, e eles estiveram perto de perder, porque os holandeses acertaram a trave nos últimos minutos do tempo regulamentar", completou Blatter.

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