Folha de S. Paulo


Em livro, Videla confessou 8.000 mortes durante ditadura argentina

Em 2012, Jorge Videla admitiu pela primeira vez que foram mortas "7.000 ou 8.000" durante o último regime militar da Argentina (1976-1983). Ditador entre 1976 e 1981, ele afirmou que era o "preço a ser pago para ganhar a guerra contra a subversão".

Videla, que morreu nesta sexta-feira, fez esta confissão no livro "Disposición Final" (Disposição Final, em português), do jornalista argentino Ceferino Reato, que disse ter ficado "chocado" pela forma como o ex-ditador relatou os horrores cometidos durante a "guerra suja".

"Me surpreendeu como Videla me dizia as coisas. Sempre o vi muito articulado, muito preciso em suas lembranças, usando uma linguagem descarnada e sem metáforas. Parecia um analista de fatos cometidos por outra pessoa", destacou, em entrevista à agência de notícias Efe nesta sexta-feira.

No livro, o militar cifrou a quantidade de mortes durante os "anos de chumbo", e assegurou que o regime militar fez os restos mortais das vítimas sumirem "para não provocar protestos dentro e fora do país".

"Não havia outra solução. Na cúpula militar estávamos de acordo que era o preço que havia que ser pago para ganhar a guerra contra a subversão, e precisávamos que não fosse evidente para que a sociedade não se desse conta".

ENTREVISTAS

As confissões do primeiro dos quatro presidentes da última ditadura argentina foram o resultado de nove longas entrevistas que Reato, diretor da revista econômica "Fortuna", fez entre outubro de 2011 e março de 2012 com Videla na penitenciária federal de Campo de Maio, nos arredores de Buenos Aires.

"Essas entrevistas e outras estavam destinadas a outro livro, mas quando me dei conta do que ele tinha me dito, mudei minha decisão e comuniquei a Videla que ele era o entrevistado principal de 'Disposição Final'", lembrou o jornalista.

"Eu o vi muito bem fisicamente e não senti nada quando o entrevistei, só a necessidade de cumprir meu trabalho jornalístico", afirmou, antes de ressaltar a "predisposição" que Videla e outros líderes da ditadura tiveram ao serem entrevistados por jornalistas.

Segundo Reato, uma confissão do ex-general trouxe à sua memória "Conspiração", filme para TV que conta como os nazistas encararam a Segunda Guerra Mundial sem determinar previamente o que iriam fazer com seus inimigos, os judeus.

"Videla contou-me o mesmo ao dizer que a Junta Militar deu o golpe de Estado sem saber o que faria com as pessoas que queria eliminar, e que fazê-las desaparecer foi a solução", declarou.

MÉTODOS

No livro, Jorge Videla faz uma descrição pormenorizada dos métodos usados pela ditadura para sequestrar e assassinar opositores, justifica o uso da tortura e destaca a influência da chamada "Doutrina Francesa" na luta contra as guerrilhas.

O mandatário explica que o país foi dividido em "cinco regiões" antes do golpe de Estado de 24 de março de 1976, e que o chefe de cada um desses territórios tinha ordenado meses antes a confecção de listas de pessoas que deveriam ser detidas após a derrocada da então presidente constitucional, Isabelita Perón.

Nesse sentido, sustenta que esses nomes foram apresentados pelos espiões das Forças Armadas mas também por empresários, executivos, sindicalistas, funcionários públicos nacionais e provinciais, professores e dirigentes políticos e estudantis.

Videla detalha ainda que não existem listas "com o destino final dos desaparecidos", cerca de 30 mil segundo organizações humanitárias, e diz que a sorte das vítimas era decidida semanalmente pelo chefe de cada região.

Ele fala, além disso, sobre o roubo de bebês, filhos de desaparecidos, cometido pela ditadura, causa que o coloca atualmente no banco dos réus, e diz que "do ponto de vista estritamente militar, o golpe de Estado foi um erro".

"Nosso objetivo (em 1976) era disciplinar uma sociedade anarquizada. Com relação ao peronismo, sair de uma visão populista; com relação à economia, ir em direção a uma de mercado, liberal. Queríamos disciplinar também o sindicalismo e o capitalismo predatório", acrescenta.


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