Folha de S. Paulo


Análise: Ocidentais se iludem ao ver líder supremo no topo de estrutura consolidada de poder

Talvez Ali Khamenei, líder e jurisprudente orientador do Irã, soubesse mais do que desejava demonstrar quando anunciou, em março, que este ano veria "um épico político" na história iraniana.

É mais provável, no entanto, que não soubesse coisa alguma do que este ano trará.

Os analistas ocidentais do Irã se iludem por imaginar Khamenei como líder posicionado sobre uma estrutura consolidada de poder.

Na realidade, ele não consegue nem orientar seus partidários na formação de uma entidade política única.

A falta de unidade entre os conservadores sinalizou a progressistas e reformistas que a eleição presidencial é uma oportunidade para que reentrem no cenário político.

O anúncio de que o ex-presidente Rafsanjani e Rahim Mashaee serão candidatos sugere que a direita do Irã está envolvida em um jogo no qual todos sairão perdendo.

Não importa que o Conselho Guardião, o órgão encarregado de pré-selecionar os candidatos, aprove ou não a candidatura de Mashaee.

Qualquer candidato conservador visto como próximo de Khamenei terá de enfrentar uma corrida tripla.

Assim, uma vez mais estamos ingressando em um ciclo eleitoral inesperadamente competitivo no Irã. Suponhamos, porém, que a elite conservadora iraniana ainda tenha algumas cartas na manga e termine vencendo.

Será que isso levará a instituição do líder supremo a ser por fim absorvida pelo Executivo e combinada à Presidência? Parece improvável.

As diversas crises diplomáticas, políticas e econômicas do Irã forçarão quem quer que vença a eleição a recorrer à canhestra burocracia a fim de tentar conter os danos.

Isso vai requerer o reforço do ramo Executivo, o uso dos tecnocratas iranianos e o distanciamento entre o novo presidente e o líder envelhecido. E isso ocorrerá não em função de personalidades, mas de estrutura.

Desde 1979, o problema político crucial do Irã é o fracasso das elites em termos de cooperação e coesão.

Quanto a isso, a república islâmica jamais foi autoritária o bastante para produzir uma ditadura funcional equivalente, por exemplo, à do Brasil dos anos 70.

As instituições políticas sobrepostas da república islâmica são centrífugas, e não centralizadoras, e isso oferece espaço para que políticos empreendedores causem surpresas. Parafraseando Voltaire, se não existisse concorrência política no Irã, o sistema teria de inventá-la.

KIEVAN HARRIS é sociólogo no departamento de estudos do Oriente Próximo, Universidade de Princeton


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