Folha de S. Paulo


Refugiados palestinos usam internet para comprar terras de antepassados

Nascida no Kuwait, filha de palestinos, Sanaa Dabbagh, 55, tem um sonho --voltar à terra em que moravam, até 1948, seus familiares.

Os percalços criados pelo conflito árabe-israelense, que incluem uma legislação arcaica para a compra e venda de terras, a mantiveram por décadas distante desse objetivo.

Até que, recentemente, Dabbagh descobriu que poderia adquirir um terreno na Cisjordânia clicando com o mouse e fazendo a transação pela internet, por meio de um projeto chamado Tabo.

Reprodução/Tabo.ps
Site do projeto Tabo, em que refugiados palestinos se registram para poder comprar terrenos na Cisjordânia no futuro
Site do projeto Tabo, em que refugiados palestinos se registram para poder comprar terrenos na Cisjordânia no futuro

"Nossos pais deixaram [os territórios palestinos] contra a vontade deles", diz à Folha. "Fomos criados com esse laço com a terra. Sempre estivemos cientes de que, em qualquer lugar que morássemos, seríamos refugiados."

Segundo a ONU, há hoje 5 milhões de refugiados palestinos. O número leva em conta os descendentes, como Dabbagh.

Ela comprou um terreno na vila de Farkha, entre Nablus e Ramallah. Ao lado do marido, imaginou a casa que quer construir no local e pediu que uma amiga desenhasse o projeto arquitetônico. Mas eles ainda não têm data para se mudar.

"Hoje, é quase impossível", diz, referindo-se às restrições em vigor no território, incluindo as de movimento.

TABO

O projeto de venda de terrenos na Cisjordânia via internet, levado a cabo pela construtora palestina UCI, foi criado há três anos pelo empresário Khaled Sabawi. Hoje, é a principal atividade da firma.

Entre as motivações para a ação, Sabawi elenca à reportagem questões como a valorização da terra na Cisjordânia e a carência de títulos de propriedade.

"Os preços subiram de modo que um palestino não pode mais comprar um terreno em sua terra", diz. A isso se somam a alta taxa de natalidade entre palestinos e a legislação otomana que vigora ali.

De acordo com o direito internacional, em um território ocupado, valem as leis anteriores ao embate. De maneira que as questões de terra na Cisjordânia estão vinculadas às regras do Império Otomano.

Aproximadamente 70% do território na Cisjordânia não têm título de propriedade. Territórios assim irregulares e que não sejam cultivados por um período determinado de tempo podem, a princípio, ser expropriados pelo Estado.

Isso é acentuado nos territórios chamados de "área C", em que Israel detém o controle civil.

"Tabo", o nome do projeto de Sabawi, é o termo otomano para os títulos de posse. Parte do apelo da empresa é justamente comprar, regularizar e registrar nas autoridades palestinas grandes extensões de terrenos, para depois vendê-los em parcelas.

INVESTIMENTO

Dabbagh fala à Folha em retornar à terra de seus antepassados, enquanto Sabawi nota que, ao regularizar o território palestino, a empresa está fazendo sua parte contra a ocupação israelense.

O professor de inglês Bashar Amir, 36, traz outra questão ao debate -investimento em um território valorizado. "É a principal razão", afirma o palestino nascido em Hebron. "O preço está subindo a todo o instante."

De acordo com a UCI, os territórios hoje são vendidos por a partir de R$ 30 mil o dunam (1.000 m²). O valor é financiado em três anos, sem juros, com pagamento de 20% do total no ato.

Por enquanto, cerca de 180 famílias de palestinos compraram terras dessa maneira, em áreas sob o controle das autoridades palestinas (chamadas "A" e "B").


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