Folha de S. Paulo


Mercosul precisa se perguntar o que quer, diz embaixador

O Mercosul precisa ser revisto, e o Brasil tem de investir mais na integração física e na parte educacional do bloco. A avaliação é do embaixador e ex-secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) João Clemente Baena Soares, 81.

Integrante do Painel de Alto Nível, que sugeriu reformas à ONU em 2004, Baena Soares diz que o Mercosul precisa se perguntar o que quer. Em entrevista à Folha, ele fez um balanço dos 22 anos do bloco e afirmou que sua sobrevivência, embora extraordinária, não é suficiente.

Ana Carolina Fernandes - 22.mar.2005/Folhapress
O embaixador paraense João Clemente Baena Soares, em sua casa, no Rio de Janeiro
O embaixador paraense João Clemente Baena Soares, em sua casa, no Rio de Janeiro

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Folha - Qual o interesse do Brasil e do Mercosul em manter o Paraguai no bloco?
Baena Soares - O Paraguai é um elemento importante, até mesmo indispensável, à construção do Mercosul. Podemos ampliá-lo, mas os quatro países originais têm cada um a sua contribuição.

Qual sua visão sobre a suspensão do Paraguai do Mercosul?
Há opiniões contrárias ao que foi decidido, de autoridades no direito internacional e no direito constitucional dos países. Respeito a todos, mas é um fato que já pertence à história, portanto já está liquidado. Agora, [o importante] é atrair o Paraguai de volta ao Mercosul e à Unasul.

O governo de Cartes já sinalizou que tem interesse em normalizar relações com o bloco.
Seria excelente para todos. Além da Venezuela e da Bolívia, que está no vestíbulo para entrar, há outros [interessados]. Então o Mercosul se alarga. O Mercosul não vai se alargar tanto para absorver todos os países da América do Sul, mas vai contribuir para a consolidação da Unasul.

Então o Mercosul é hoje o braço comercial da Unasul?
O que não era a ideia inicial. O Mercosul não era para ser só uma organização comercial, e sim de integração. Não se faz integração só na estatística; ela se faz no contato das nações, das pessoas. Nisso o Mercosul deixa a desejar, inclusive nas ligações de estradas e ferrovias.

O Brasil deve investir mais em integração física no Mercosul?
Sem dúvida. Essa é uma das bases para construir o Mercosul. Outra é estimular o lado educacional. No dia em que você se formar em medicina no Brasil e puder exercer a sua profissão em outros países do Mercosul, isso será um avanço extraordinário.

Como o Paraguai suspenso afeta a relação com o bloco?
A primeira reação talvez seja de rejeição. O Mercosul tem de dar mais atenção a Paraguai e Uruguai. Todos os esforços de integração partem desse princípio, de tentar superar diferenças. Se a integração só fosse possível entre países que têm o mesmo nível de desenvolvimento, não haveria a União Europeia --aliás, ela não é mais um exemplo muito citável. Você tem que integrar procurando corrigir os desníveis.

Como a entrada da Venezuela afeta esses desníveis?
A Venezuela não está no nível do Brasil nem da Argentina. Está num nível entre os dois: embora fragilizada, a sua economia tem grandes possibilidades. Eu acho que pode até contribuir para ajudar a solucionar a situação.

Cartes disse que, se o Parlamento não aprovasse a adesão da Venezuela ao Mercosul, não haveria muito o que ele poderia fazer. O que o Brasil poderia fazer nesse impasse?
O Brasil não deve se meter onde não é chamado. Se Paraguai e Venezuela chamarem o Brasil [para resolver], aí é outra situação.

Como o Mercosul pode evitar futuras rupturas?
O Mercosul está em um momento de fazer uma revisão. Deve se perguntar: Onde estamos? O que queremos? Perguntas básicas, mas que parecem esquecidas. Quantos somos? Seis? Quatro?

Queremos uma integração como foi definida originalmente ou estamos satisfeitos com o momento de comércio? A realidade é muito dinâmica. O Mercosul deve rever textos [tratados e protocolos] que não estão mais adaptados à dinâmica da situação.

Como quais?
Não devemos abrir exceções [à Tarifa Externa Comum] toda hora. Enfraquece o bloco. Há exceções, claro, que devem existir para dar tratamento preferencial às duas economias mais frágeis. A questão precisa ser revista.

Qual o balanço do Mercosul para o Brasil após 22 anos?
Só a existência continuada do Mercosul me parece uma coisa extraordinária. Portanto, o balanço é positivo. Os números comprovam isso, mas não é suficiente. O país e o bloco precisam ir além.

O Brasil não pode se projetar contra a América do Sul nem ser omisso. Tem que ser uma potência, um Estado que se desenvolva no diálogo internacional com o Mercosul.


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