Folha de S. Paulo


Análise: Cautela com alegações de que a Síria usou arma química

As recentes alegações de que Reino Unido, França e Israel têm provas de que o regime de Bashar Assad usou gás sarin na Síria suscitam importantes questões morais, e não apenas para o regime sírio. Caso as alegações procedam, as forças de Assad seriam culpadas de um crime contra a humanidade.

Mas qual é a postura dos governos que alegam dispor de provas de que o sarin foi usado? Ainda que a França e o Reino Unido tenham escrito às Nações Unidas afirmando dispor de "provas críveis" para sustentar suas alegações, ainda não apresentam publicamente qualquer dado que substancie suas acusações --uma posição desconcertante dada a seriedade das alegações. Em lugar disso, preferem informar repórteres sobre o caso solicitando que as fontes permaneçam anônimas.

E as "provas" apresentadas por Itai Brun, o principal analista do serviço militar de inteligência de Israel - como até mesmo o "Times of Israel" admite --vêm se provando igualmente curiosas.

A despeito da alegação de Brun - de acordo com comentários do secretário de Defesa norte-americano Chuck Hagel, que acaba de visitar Israel -, a questão aparentemente não foi considerada importante a ponto de ser tratada por funcionários de primeiro escalão das forças de defesa israelenses ou pelos líderes políticos do país.

A história do uso de armas químicas por países como o Irã e o Iraque e por agentes não governamentais como a organização extremista japonesa Aum Shinrikyo significa que a possibilidade nunca pode ser excluída.

Existem outras perguntas que deveriam estar sendo apresentadas sobre o suposto uso de sarin na Síria, a primeira das quais envolvendo o motivo para que um governo decida utilizar uma arma como essa em escala limitada.

A utilidade das armas de último recurso como o sarin, o agente VX ou o gás mostarda, aos olhos daqueles que são inescrupulosos o bastante para utilizá-las, está não só em que elas matem grandes concentrações de pessoas mas no profundo impacto psicológico que causam. Em outras palavras, o gás não costuma ser uma arma usada de forma discreta, mas sim com veemência.

Quando os analistas militares tentavam imaginar em que circunstâncias esse tipo de arma poderia ser utilizado, a resposta envolvia circunstâncias em que os regimes ou eram extremistas ou --como no caso do uso do gás por Saddam Hussein contra os curdos, em Halabia - acreditavam que seria possível agir com grau considerável de impunidade.

Nenhuma das duas descrições se aplica exatamente à Síria atual. Todas as provas indicam que - a despeito de a guerra civil ter atingido os subúrbios de Damasco --as forças de Assad são resistentes. Todas essas questões são importantes porque a acusação é tão séria. Os Estados Unidos já definiram o uso de armas químicas como uma "linha vermelha" que poderia deflagrar uma resposta não especificada.

A história das alegações sobre as armas de destruição em massa inexistentes que Saddam Hussein supostamente mantinha requer que provas sejam apresentadas em fóruns públicos nos quais seja possível examiná-las detalhadamente.

Neste caso, se é verdade que os governos francês e britânico dispõem de amostras de terra que mostram o uso de sarin, elas não só deveriam ser apresentadas aos investigadores da ONU como as circunstâncias sob as quais essas amostras chegaram às autoridades francesas e britânicas, e o caminho que elas percorreram, deveriam ser reveladas.

Até lá, a cautela de Hagel é a única resposta apropriada. Ele declarou na semana passada que Washington não será instigada a agir precipitadamente por relatórios de inteligência estrangeiros, mesmo de países aliados. "Suspeitas são uma coisa", ele declarou. "Provas, outra".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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