Folha de S. Paulo


Bolívia leva à Corte de Haia ação contra o Chile

A Bolívia entrou nesta quarta-feira com uma ação contra o Chile na Corte Internacional de Justiça de Haia, para que Santiago negocie "de boa fé" uma saída soberana para o Oceano Pacífico.

O governo chileno respondeu que, no momento, "não há diálogo possível".

A ação internacional de La Paz representa uma virada histórica, após mais de um século de tentativas diplomáticas em relação ao Chile, em diferentes cenários e fóruns internacionais.

Phil Nijhuis/Efe
O chanceler boliviano, David Choquehuanca (ao centro), durante entrevista na Embaixada da Bolívia em Haia, na Holanda
O chanceler boliviano, David Choquehuanca (ao centro), durante entrevista na Embaixada da Bolívia em Haia, na Holanda

Uma comissão do governo boliviano, liderada pelo chanceler David Choquehuanca e pelo embaixador e ex-presidente Eduardo Rodríguez, apresentou a documentação ao tribunal internacional para dar início a um litígio que foi preparado durante dois anos, com antecedentes jurídicos e históricos.

Choquehuanca leu uma declaração, do lado de fora da corte, que foi transmitida pelo canal estatal de televisão boliviano.

"O Estado plurinacional da Bolívia, neste 24 de abril de 2013, processa o Chile perante a Corte Internacional de Justiça, assumindo o mandato histórico do povo boliviano" de recuperar sua qualidade marítima, disse o chefe da diplomacia boliviana.

Segundo ele, a Bolívia "solicita à Corte Internacional de Justiça que sentencie e declare que o Chile tem a obrigação de negociar de boa fé com a Bolívia um acordo rápido e efetivo que lhe conceda uma saída plenamente soberana para o oceano Pacífico".

O pedido --esclareceu-- "não se baseia no Tratado de 1904", que marcou os limites territoriais entre ambas as nações e que, segundo a Bolívia, foi firmado sob a ameaça de uma nova intervenção armada por parte do Chile.

O Chile reagiu rapidamente. "Se eles (os bolivianos) pretendem conversar sobre a soberania marítima do Chile, não, não há diálogo possível", declarou o ministro do Interior, Andrés Chadwick, no Palácio La Moneda.

"A Bolívia tem muito claro que podemos conversar, podemos dialogar, podemos trocar boas práticas de vizinhos. Sabem como o Chile cumpriu na íntegra nossas obrigações do Tratado de 1904, mas se se trata de conversar sobre a soberania marítima, que é o que eles pretendem, não há diálogo possível", frisou Chadwick.

A Bolívia reivindica parte do território soberano, após ter cedido à força ao Chile, na guerra de 1879, cerca de 400 km de costa e 120.000 km², sua única saída para o Pacífico.

O presidente Evo Morales destacou a posição boliviana, dois anos depois de anunciar que La Paz levaria seu antigo caso a tribunais internacionais, segundo ele, "cansado de um diálogo inútil".

"Depois de tantos anos de tentativas de retornar ao mar com soberania, decidimos recorrer à Corte Internacional de Justiça para que se faça justiça com a Bolívia", acrescentou Morales, no palácio presidencial, em La Paz.

A defesa boliviana alega ainda que, ao longo do século passado e até o presente, foram estabelecidos diferentes cenários de diálogo, apesar de não terem relações diplomáticas, nas quais foram discutidos, sem sucesso, diferentes fórmulas de solução.

As alternativas incluíam desde a cessão sem soberania de territórios no norte do Chile, na fronteira com o Peru --o que foi rejeitado por Lima--, até a troca territorial. O Peru também cedeu territórios ao Chile na guerra de 1879, como aliado da Bolívia.

No último nível de diálogo, entre o governo de Morales e de sua homóloga chilena Michelle Bachelet, assim como no do sucessor da então presidente Sebastián Piñera, entre 2006 e 2010, La Paz esperou uma proposta "concreta, útil e possível" em relação a uma saída para o mar e que, em sua opinião, nunca chegou.

Diante da ruptura, Morales levou o tema a todos os fóruns internacionais, incluindo as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA), enquanto o governo de Piñera diz não ter assuntos pendentes com a Bolívia. Segundo ele, entre ambos os países há um Tratado de Paz e Amizade de 1904 que definiu os limites fronteiriços binacionais.

Já La Paz considera que esse acordo não foi cumprido pelo Chile, pois se nega o livre trânsito aos bolivianos.


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