Folha de S. Paulo


Análise: Conceito de arma de destruição em massa é arbitrário e político

Uma panela de pressão, mesmo recheada de explosivos, não pode ser considerada uma "arma de destruição em massa" (WMD, na sigla em inglês).

Chamar assim um "artefato explosivo improvisado" (IED, na sigla em inglês), como fez o procurador-geral americano, Eric Holder, é bobagem pura, apesar de o atentado provocado pelos irmãos Tsarnaev em Boston ter feito dezenas de feridos.

Iraquianos e afegãos estão constantemente explodindo essas bombas caseiras, às vezes matando dezenas de pessoas, e nunca ninguém disse que estavam usando WMDs.

A definição é imprecisa, mas relativamente clara: armas de destruição em massa são nucleares, químicas ou biológicas. O resto é mero arsenal convencional. Mas que também pode produzir mortandade em massa.

A possível existência de WMDs no Iraque foi um dos pretextos para a invasão do país pelos EUA em 2003. Nunca se achou nada. Já as IEDs infestam o país até hoje.

O erro do procurador pode ser uma questão de números. Qual a definição de uma chacina em massa? Cem, mil pessoas mortas ou feridas? Três mortos e 200 feridos seriam um atentado em massa? Para ele, parece que sim.

Conceitos são, por natureza, arbitrários, o que tende a criar interpretações jurídicas. Há ainda o viés político. Trata-se de um crime comum ou de "terrorismo"?

O tema fica ainda mais cinzento quando se pensa na história das "destruições em massa" do último século.

Bombas atômicas foram usadas pelos americanos contras as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 1945. Dezenas de milhares morreram. Mas ataques aéreos ditos "convencionais", usando bombas explosivas e incendiárias, mataram tantos outros milhares em Tóquio ou Dresden (Alemanha).

Como Tóquio tinha uma densidade populacional maior do que Hiroshima e Nagasaki, morreram mais pessoas por quilômetro quadrado do que nas duas cidades vítimas de WMDs.

Ataques com armas químicas, como as da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ou biológicas nunca produziram os resultados que os militares esperavam.

Explosivos convencionais mataram muito mais gente nas guerras mundiais. Nos conflitos do pós-guerra do Terceiro Mundo, os humildes fuzis e granadas foram muito mais letais.

No fundo, uma arma, seja convencional ou não, só produz destruição "em massa" onde houver a tal massa. Uma panela de pressão "cozinhando" dinamite vai matar bem mais gente no Maracanã em dia de Fla-Flu do que uma bomba nuclear lançada no polo Norte. Ou no Sul.


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