Folha de S. Paulo


Análise: É reconhecer ou reconhecer Cartes

Se foi uma das primeiras chefes de Estado a ligar para cumprimentar o presidente Nicolás Maduro, açodadamente, antes mesmo da decisão de recontar os votos na Venezuela, a brasileira Dilma Rousseff não foi tão rápida assim ao saudar a vitória do presidente eleito no Paraguai, Horacio Cartes.

Os parceiros originais de Mercosul, Argentina e Uruguai, já tinham telefonado e feito gestos de acolhimento, mas Dilma e a diplomacia brasileira mantinham um silêncio constrangedor na manhã desta segunda-feira. À Venezuela de Maduro, tudo. Ao Paraguai sem Fernando Lugo, nada.

O Brasil foi tão rápido na articulação para suspender o Paraguai do Mercosul e da Unasul, após a queda de Lugo, quanto foi para formalizar a entrada da Venezuela no Mercosul. Mas, agora, não tem jeito.

A demora de Dilma e do Itamaraty soa como pura implicância, porque, com Horacio Cartes legitimado pelas urnas e as urnas legitimadas por observadores internacionais, só resta reconhecer o seu governo ou reconhecer.

Dizem os pessimistas que "tudo o que é bom dura pouco". A derrocada do Partido Colorado no Paraguai, comemorada mundo afora, especialmente no Brasil, durou muito pouco, foi apenas um hiato.

O partido ficou 60 anos no poder, desde 1948, e teve tempo suficiente para controlar tudo e todos no país vizinho. A vitória do ex-bispo católico Fernando Lugo, um outsider da política cheio de ideias humanistas e renovadoras, foi um sonho de verão.

Eleito em 2008, Lugo não construiu condições de governabilidade e desabou em 2012, sob o peso de uma aliança do Partido Colorado com o Partido Liberal, até aí inimigos históricos, para manter tudo como sempre esteve.

A destituição, como os crimes, foi quase perfeita: respaldada pela Câmara, pelo Senado, pela Suprema Corte, pela Igreja, pelo setor produtivo. E, diferentemente do previsto, a reação popular foi tímida.

O Brasil fechou as portas para o governo de transição de Federico Franco, mas vai ter de engolir O governo e abrir as portas do Mercosul e da Unasul para o Paraguai de Cartes, um dos homens mais ricos do país e suspeito de contrabando, lavagem de dinheiro, evasão de divisas...

Do ponto de vista bilateral, pouco importa. Qualquer que seja o presidente do Paraguai, vai sempre estimular o discurso do "imperialismo" contra o Brasil e sempre pressionar por mais vantagens e preços mais altos para a energia excedente de Itaipu.

Aliás, o que mais arrancou vantagens foi justamente o companheiro Fernando Lugo, o breve.


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