Folha de S. Paulo


Jornalista da Folha relata noite de terror em Boston

O barulho de sirenes de polícia começou por volta das 11h da noite aqui em Cambridge, quase um bairro de Boston. Foram mais de dez minutos de sirenes, sem parar. "Outro atentado", imaginei. Liguei a TV. Nada.

Mas tinha começado a caçada aos irmãos Tsarnaev, de 19 e 26 anos, que moravam aqui em Cambridge e que cometeram os atentados de segunda-feira, segundo a polícia.

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A noite seria de tiroteios, bombas lançadas pelas ruas e perseguições pela cidade. Pouco depois das seis da manhã, a polícia diz na TV: "fique em casa".

O governo parou o transporte público. Desde 5h45, não havia metrô, ônibus e trem em Boston e região. Das 8h30 às 13h não houve táxis também. Escolas públicas fecharam.

"Não abram as portas para ninguém que não esteja de uniforme da polícia", diziam as autoridades na TV e no rádio.

O governador de Massachusetts, Deval Patrick, foi à TV às 8h da manhã pedir que todos os moradores da região de Boston "se abrigassem em segurança". "A situação é muito, muito séria", disse.

Na madrugada, pouco antes de 1h, policiais e os irmãos haviam trocado tiros numa cidadezinha vizinha. Um deles jogou uma bomba nos policiais: uma panela de pressão explosiva, como as do atentado em Boston, segundo relatos extra-oficiais.

Um dos irmãos, Tamerlan, foi ferido por tiros e pelo que pareciam estilhaços de bomba, disseram na TV médicos do hospital de Boston onde morreu.

Seu irmão, Dzhorkhar, 19, furou o bloqueio da polícia, dentro de um carro, e está fugido até agora. Os suspeitos tinham estudado aqui em Cambridge, um deles com uma bolsa de US$ 2.500 (R$ 5.000) da cidade.

Os Tsarnaev são de uma família tchetchena, muçulmana, que migrou do Daguestão, perto da Chechênia (regiões da Rússia) para o Cazaquistão. Daí migraram para os EUA, em 2002, mas com passaporte do Quirguistão.

Tamerlan estudava engenharia numa faculdade menor, Bunker Hill Community College, mas trancou a matrícula para luxar boxe. Dzhorkar fez o colegial em Cambridge e estava matriculado na Universidade de Massachusetts-Dartmouth.

Tinha sido salva-vidas da piscina de Harvard e morava a dois quilômetros da minha casa. Tornou-se cidadão americano no ano passado. Pelas oito da manhã já estavam entrevistando a família deles na TV, daqui e da Rússia.

BOSTON E CAMBRIDGE PARADAS

A polícia pediu que as empresas não abrissem hoje. Minha universidade (Harvard) fechou, assim como todas as outras da região. Muito raro aqui, se ouvia o som de muitos helicópteros, todos da polícia.

Por volta das 7h, não havia alma viva na rua aqui em Cambridge. Na praça Harvard, centrinho local de comércio, estação de metrô e entrada do campus central da universidade, apenas duas bancas de jornais funcionavam.

Não passa um carro que não seja da polícia. De casa, dava até para ouvir os sinos das igrejas na cidade silenciosa, entre uma sirene e outra. Clima sinistro de filme ruim.

Muita gente da SWAT, do FBI, soldados e polícia pelas ruas. Pela TV, Boston parece uma cidade morta neste dia de calorão neste lugar em geral gelado e nevado: 21 graus.

ALERTAS DA MADRUGADA

Às 11h33 de ontem chegava o primeiro alerta da polícia da minha universidade (Harvard), por e-mail e celular: houve tiroteio no MIT (Massachusetts Institute of Technology, a outra grande universidade daqui).

As universidades maiores têm polícias, que mandam alertas sobre ocorrências sérias e riscos. Até agora, recebi 15 alertas da universidade e da polícia de Harvard.

Não sabia então, de noite, mas um dos Tsarnaev, suspeita-se. tinha atirado num policial do MIT, no Stata Center. O policial, que tinha apenas 26 anos, morreu. Pouco antes, os irmãos tinham assaltado uma loja Seven Eleven.

PERSEGUIÇÃO PELA CIDADE

Depois do assalto, os suspeitos sequestraram um motorista e sua Mercedes SUV preta. Largaram o pobre homem num posto de gasolina e fugiram no carro, pouco depois das 11h. A perseguição começou.

Do centro de Cambridge, onde fica o MIT, a caravana de terroristas e polícia passou aqui ao lado de casa, a 400 metros de Harvard, em direção a Watertown, outra cidadezinha "bairro" de Boston, residencial, toda de casinhas de madeira.

Na fuga, os suspeitos jogavam bombas pela janela do carro. Policiais ficaram feridos pelos estilhaços das bombas.

Às 2h02, alerta da polícia de Harvard: tiroteio em Watertown, que fica longe daqui de Cambridge como Pinheiros de Higienópolis, em São Paulo, ou Copacabana do Leblon, no Rio.

Às 5h50, outro alerta: "pacote suspeito no número 500 da Memorial Drive. Fiquem longe do lugar". Quer dizer, suspeita de bomba perto do MIT.

As TVs entraram com cobertura ao vivo. Entrevistam moradores de Watertown e já acharam o bairro onde moravam os irmãos, entrevistando vizinhos, colegas de escola etc., que dizem o de sempre: "Nunca imaginei que eles poderiam ser terroristas".

"Era normal. Se dava bem com todo mundo. Não era próximo de ninguém, mas legal. Estou chocada. Sentava do lado dessa cara. Brincava com ele. Tinha aulas com ele. É meio maluco", disse uma colega de colegial de Dzhorkhar ao jornal "Boston Globe".

Uma professora da escola: "Se me perguntassem como ele era, diria que ele tinha um coração de ouro".

O show continua.

Editoria de Arte/Folhapress

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