Folha de S. Paulo


Mercosul é hipócrita, diz líder paraguaio

Às vésperas das eleições no Paraguai, o presidente Federico Franco olha para o processo eleitoral na Venezuela --cujo resultado vem sendo questionado pela oposição-- e não resiste à comparação da reação dos vizinhos.

"Nós saímos do Mercosul para que entrasse a Venezuela: e olhe o que aconteceu. O problema de algumas chancelarias do Mercosul é como sair do imbróglio no qual se meteram", disse à Folha, em entrevista em Assunção.

Para ele, a "hipocrisia" de Brasil, Argentina e Uruguai não permite que se suspenda a Venezuela do Mercosul como fizeram com o Paraguai, após o impeachment-relâmpago de Fernando Lugo em junho passado.

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Folha - O que mudou para o Paraguai nos dez meses em que esteve suspenso do Mercosul?

Federico Franco - Do ponto de vista das relações econômicas não houve um impacto. Itaipu, que é a ponte que une Brasil e Paraguai, se manteve de forma absolutamente respeitosa, respeitando os interesses de ambos os países.
Foi uma suspensão política, não participamos de reuniões, de coquetéis, de tertúlias --continuei trabalhando no meu país.

Mas foi prejudicial ao Paraguai não estar presente?

É preciso ser claro: a sanção nos fez muito mal. Foi desmerecida e injusta, mas foi uma decisão política, que agora a hipocrisia do Mercosul não permite tomar com a Venezuela.
[Na Venezuela] houve uma situação diametralmente diferente da nossa: difícil e complicada e, no entanto, a posição do Mercosul foi de dar um "guinho" (jeitinho) com o tema. Com a gente, foi desproporcional.

A Unasul se reuniu para discutir as eleições da Venezuela. O bloco deveria ser tão duro como foi com o Paraguai?

A Unasul tem que fazer com que se recontem o voto. Em qualquer pais democrático do mundo, o processo eleitoral tem três etapas: a pré-eleitoral, a eleitoral e a pós-eleitoral, que é a contagem dos votos --e isso não foi feito. O processo eleitoral foi no domingo, na segunda de madrugada se proclamou Maduro o vencedor. Em que momento contaram os votos?

Mas no Paraguai os resultados são esperados para horas após o encerramento das eleições...

Em qualquer parte do mundo, os que competem numa eleição tem que fiscalizar as atas. Não há resultado definitivo até que cada candidato confirme as atas.

Há uma quebra de vigência democrática na Venezuela?

Nós não permitimos que ninguém intervenha na nossa democracia, e eu não vou interferir nem ter receitas democráticas para outros países. Só peço que se contem os votos.

O Paraguai precisa voltar ao Mercosul?

O Paraguai deve voltar, é sócio-fundador. Nós saímos do Mercosul para que entrasse a Venezuela: e olhe o que aconteceu. O problema mais grave que atravessam algumas chancelarias do Mercosul é como sair do imbróglio no qual se meteram.

O sr. disse que o Paraguai não está disposto a seguir cedendo energia ao Brasil, e que enviaria ao Congresso um projeto de lei para isso.

O projeto de lei é para que o Paraguai tenha uma política de Estado. Não importa o partido político do próximo presidente, já está no Congresso um projeto de lei para que o Paraguai comece a ter uma política de uso de sua energia favorecendo a industrialização.

É justo seguir cedendo --e veja que não uso o verbo vender-- a energia ao Brasil ao mesmo preço durante 50 anos? Ou este é o momento em que temos começar a usar a nossa energia?

O projeto está no Congresso, e se aprovado, o Paraguai terá que se preparar para usar sua energia, porque vai levar tempo para que o país possa estar em condições de usá-la. A primeira etapa já fizemos: hoje, a margem direita da usina já pode nos passar os 50% que nos corresponde [da produção]. Antes, a energia passava toda para o Brasil, e o Brasil nos passava o que nós precisávamos. Mas o importante é poder distribuir os 50% que nos correspondem.

Mas o Brasil precisa da energia que é repassada pelo Paraguai. Há uma negociação possível?

Nós comunicaremos o Brasil, gentilmente, mas com muita firmeza: 'sabe o que? Vamos usar a nossa energia'. Não há negociação, está no tratado. O tratado diz que a energia que o Paraguai não utiliza, cede.

Essa é uma posição que se manterá no Paraguai mesmo numa mudança de governo?

É uma política de Estado. O governo que vem tem que cumprir ou vai ter que mudar a lei.

O Paraguai vai aceitar a Venezuela no Mercosul? É preciso passar essa decisão pelo Senado?

Isso não depende de mim. O Senado paraguaio declarou Nicolás Maduro 'persona non grata'. E é preciso 2/3 dos votos [para aprovar o ingresso]. O ambiente que vive hoje a Venezuela, com seu processo eleitoral pouco claro, não ajuda que as relações 'amadureçam'.

O sr. disse que é um 'milagre' Chávez ter 'desaparecido da face da terra'. A região está melhor sem o Chávez?

A imprensa me perguntou como seria a Venezuela sem Chávez e com Maduro e a minha resposta foi: 'sem Chávez, a situação muda'. E me perguntaram se Maduro faria as coisas diferentes de Chávez, e eu disse que foi uma 'redenção'. Mas não importa se foi 'redenção' ou 'milagre'. Eu, como cristão, não posso estar feliz com a morte de alguém. Nunca, jamais. Mas devo reconhecer que as relações da Venezuela, com Chávez fora do contexto político, espero que sejam melhores.

Mas o Maduro se diz filho de Chávez...

Mas não é a mesma coisa. Não sei o que vai acontecer, o Congresso tem que ver sua posição sobre Maduro. Chávez teve uma posição muito clara a respeito das Farc, e as Farc têm relação com o EPP (Exército Popular Paraguaio). Para nós, o EPP e as Farc significaram tortura, sequestros.

Os colorados e os liberais se uniram para destituir Lugo. Agora, o colorado Cartes lidera as pesquisas. O sr. considera que o impeachment abriu as portas para o retorno dos colorados?

A união do partidos para o julgamento político é absolutamente constitucional e responde à necessidade de tratar um governo inviável. A situação eleitoral é normal: sempre se deu o enfrentamento entre colorados e liberais. É claro que espero que ganhe Efraín Alegre.

O que o seu governo fez de diferente do governo Lugo para resolver o problema da terra?

Em primeiro lugar, temos pela primeira vez um censo agrário e uma cartografia. O cadastro digital urbano e o censo agrário vão permitir visualizar exatamente a quantidade de terra que temos. Criamos o registro agrário único, em que temos todas as pessoas que receberam uma parcela de terra.

Devolvemos a paz no campo. Os cerca de 400 mil brasiguaios são uníssonos em dizer que agora vão se deitar e sabem que não serão expulsos de sua terra no dia seguinte.

Este governo iniciou uma política de Estado para poder erradicar a pobreza, e vamos, após as eleições, transformá-la em lei, para ser usada pelo próximo governo.

Além disso, entregamos títulos de terra a mais de 40 mil pessoas, e sancionamos a lei que prevê de 2 a 5 anos de prisão para quem revende as terras cedidas pelo Estado, assim como para os que compram essas terras.


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