Folha de S. Paulo


Fronteira chinesa dá fôlego à Coreia do Norte

A cidade de Dandong, no nordeste da China, vive às margens do conflito coreano há seis décadas, mas não parece se abalar com isso.

A pacata cidade de 800 mil habitantes aprendeu a lucrar com a geopolítica. Um dos raros canais de suprimento da isolada Coreia do Norte, fatura com o turismo de guerra.

Retrato de conflitos passados e presentes, uma ponte e meia separa Dandong de Sinuijun, na Coreia do Norte, sobre o caudaloso rio Yalu.

Destruída em 1950 por um ataque norte-americano durante a Guerra da Coreia, a ponte original foi deixada pela metade pela China, que a transformou em atração turística e em monumento à hostilidade "ianque".

A seu lado foi erguida a Ponte da Amizade, uma vistosa construção metálica que à noite ilumina casais de namorados com seu neon colorido, simbolizando "os laços históricos entre China e Coreia do Norte", como propagandeiam folhetos locais.

Pela estrutura de 940 m, um dos pontos de passagem nos 1.400 km de fronteira, circulam caminhões com todo tipo de produto e ônibus de turismo chineses rumo à Coreia do Norte. No sentido oposto, altos funcionários norte-coreanos em busca de negócios e consumo.

Recém-chegado da Malásia, onde negociou um projeto de cooperação, Nam Sung Won, funcionário do setor de importação e exportação da Coreia do Norte, diz que os principais produtos vendidos à China são minérios, como ouro, pó de ferro e carvão.

Ao saber que o repórter é do Brasil, pergunta como estão os preços de exportação da soja e diz que tem muito interesse em fazer negócios com o país. "Quanto maiores, melhor", diz, ansioso por diminuir a dependência dos alimentos da China.

Apesar da série de ameaças nucleares da Coreia do Norte contra os EUA e a Coreia do Sul, não há sinal de estresse no calçadão de Dandong, que margeia o rio Yalu, e o único símbolo militar é uma peça de artilharia chinesa de museu, relíquia da Guerra da Coreia.

Idosos praticam danças típicas e tai chi chuan, enquanto turistas posam para fotos vestidos com bufantes trajes folclóricos norte-coreanos.

Ambulantes vendem quinquilharias ligadas à família Kim, que controla a Coreia do Norte com mão de ferro há três gerações, entre elas broches dos líderes, álbuns de selos e dinheiro do país.

Mas é no sentido contrário que o comércio é significativo. Segundo estimativas, a China fornece 80% de tudo o que a Coreia do Norte consome e 45% de sua comida.

O aniversário do líder fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung, festa nacional que será celebrada amanhã, aumentou as tensões. Especula-se que a data será usada para um novo lançamento de mísseis.

OPORTUNIDADE

Em Dandong, porém, a data é uma oportunidade de fazer caixa. Anteontem, uma longa fila de caminhões aguardava autorização na alfândega com produtos encomendados para a festa, de bananas a capacetes para rollerblades, nova mania de crianças norte-coreanas.

"O movimento dobrou", diz o comerciante Yu, enquanto carregava os caminhões com caixotes de bananas, morangos e cerveja. Ele calcula que faturou 1.000 yuans (cerca de R$ 325) por dia na última semana.

Como muitos chineses, Yun acha que o governo deveria ser mais duro com a Coreia do Norte para conter seu discurso belicista, mesmo que isso signifique restrições que lhe doeriam no bolso.

Ao contrário do comércio, o turismo sofreu um baque com a escalada de tensão. A fronteira foi fechada para turistas, e agências de viagens da fronteira estão às moscas.

"Foi por ordem do escritório regional de turismo", diz Li, funcionário de uma das agências, logo corrigido por uma colega de trabalho, preocupada em criar problemas com o governo. "Não sabemos o motivo", diz ela.

Sem poder cruzar a fronteira, resta ao turista fazer um dos passeios de barco oferecidos no calçadão. Em épocas menos tensas, é possível chegar à outra margem e falar com norte-coreanos em troca de cigarros.

"As conversas não vão muito fundo. Sempre dizem o mesmo, que está tudo bem no país", diz o piloto chinês.

Mas a experiência norte-coreana mais autêntica de Dandong está nos restaurantes mantidos pelo regime de Pyongyang. O cardápio oferece pratos típicos do país, como sopa de cachorro, servidos por belas e desconfiadas jovens norte-coreanas.

O sabor da ditadura está incluído no preço. Ao perceber que a reportagem fazia anotações, garçonetes imploraram para que o papel fosse entregue. Tudo sob a vigilância de câmeras.


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