Folha de S. Paulo


'Tenho sede do Brasil', diz garoto haitiano

Conversar com Jean Pierre Berley ajuda a entender o fascínio que o Brasil passou a exercer sobre os haitianos. O garoto tem 14 anos --insiste em dizer que completa 15 em 7 de maio--, mas aparenta ter 12, devido à anemia falciforme, doença hereditária que atinge principalmente negros.

Aprendeu português com os militares brasileiros que servem no Haiti e passou a ser intérprete na própria base. Bom de papo, acabou fazendo amizade com o alto comando e arranjou emprego para a mãe e um dos cinco irmãos. "Falo um pouco de inglês e tentei me aproximar dos militares de Israel, Paraguai e Bangladesh, mas não consegui. Ninguém é como os brasileiros", conta.

Não é só ele que pensa assim. Andar pelar ruas do Haiti com algo que lembre o Brasil é certeza de ganhar a simpatia das pessoas. Muitos decidem abandonar a ilha e tentar a sorte no eldorado verde-amarelo. Segundo o governo no Acre, desde dezembro de 2010, 4.300 pessoas entraram no país pela fronteira do Estado com o Peru, sendo 1.100 só nos últimos dias. O descontrole da entrada de imigrantes levou o governador Tião Viana a decretar situação de emergência social nesta terça-feira (9).

Paula Lago/Folhapress
O haitiano Jean Pierre Berley, 14, que aprendeu português com militares e é fã da seleção brasileira, em Croix-des-Bouquets
O haitiano Jean Pierre Berley, 14, que aprendeu português com militares e é fã da seleção brasileira, em Croix-des-Bouquets

Jean Pierre estuda na escola da Academia Pérolas Negras, administrada pela ONG Viva Rio, onde também treina futebol. Está no equivalente ao sexto ano do ensino fundamental. Sua rotina é acordar às 6h todos os dias, já que o primeiro treino é às 7h e o segundo, às 16h. A aula começa às 19h. Além de treinar, ele ajuda a comissão técnica como gandula e leva água para os colegas.

Experiência em distribuir água não falta ao garoto: foi isso que fez em janeiro de 2010, quando um terremoto destruiu seu país. Ele conta que não sofreu nada, pois estava na base militar, e que sua família também ficou a salvo. "Ajudei muito. A distribuir comida, água, era uma confusão. Usei megafone e afastava quem fazia bagunça na fila. Até coloquei capacete", lembra.

Aos 10 anos, quando começou a trabalhar como intérprete para os militares, seu sonho era ser goleiro. Hoje planeja ser médico, e, quando começa a falar de seu futuro, os olhos brilham. "Vou fazer faculdade no Brasil. Quero muito ir para lá. Sabe quando você está num lugar muito seco e tem sede? Eu tenho sede do Brasil."


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