Folha de S. Paulo


Santa Sé opera com contas no vermelho

Além de expandir a fé católica e buscar conciliação na igreja, o papa Francisco terá outra tarefa árdua: controlar custos e aumentar a credibilidade nas obscuras finanças do Vaticano.
A cúpula da igreja é financiada por doações e rendas vindas da administração de seus recursos e imóveis.

Em 2011 (último dado disponível), as receitas da Santa Sé, administração central da igreja, somaram € 250 milhões (R$ 609 milhões).

Apesar de diversas fontes de renda, a Santa Sé fechou seu orçamento no vermelho em seis dos últimos dez anos. Em 2011, o deficit foi de € 14,9 milhões (R$ 36,2 milhões).

As contas da igreja pelo mundo são descentralizadas. Já as finanças de sua cúpula se dividem em dois grupos: as contas da Santa Sé, de um lado, e as da cidade-Estado do Vaticano, do outro. Os resultados de ambas passaram a ser divulgados no início dos anos 80, em um único relatório anual, pouco detalhado.

A Santa Sé tem atribuído seu deficit à crise europeia. Isso indica o peso grande de aplicações financeiras e da gestão do patrimônio imobiliário da cúpula da igreja para a saúde de suas contas.

Relatórios financeiros de meados da década passada também dão pistas da importância desses itens, assim como das doações.

No último triênio de superavit seguidos (2004-2006), os demonstrativos trouxeram informações mais detalhadas (embora incompletas) sobre as operações da Santa Sé, que são divididas em quatro áreas: atividade institucional, aplicações financeiras, setor imobiliário e mídia.

Parte das doações é contabilizada como receita e ajuda a cobrir gastos do setor institucional, que não tem renda.

Em 2006, essas doações somaram € 86 milhões. Mas não foram suficientes para evitar deficit no setor institucional de € 31 milhões.

Há outra fatia das doações que são direcionadas para o fundo de caridade do papa (chamado Peter's Pence) e são registradas à parte.

As aplicações financeiras tiveram superávit de € 13,7 milhões em 2006, menos de um terço do registrado em 2005 em razão de perdas com oscilações cambiais.

O setor imobiliário ficou no azul em € 32,3 milhões graças à venda de imóveis. Já a mídia oficial da Santa Sé fechou com deficit de € 12,8 milhões em 2006.

Os principais gastos da Santa Sé são com a manutenção da burocracia, o pagamento de salários e o custeio do setor deficitário da mídia oficial. Mesmo nos relatórios de 2004 a 2006 há poucos números de despesas. Em anos de deficit, como 2011, as informações são ainda mais minguadas.

VATICANO

O desempenho do Vaticano tem sido melhor que o da Santa Sé, mas depende do setor de turismo. Em 2011, por exemplo, o alto retorno dos museus contribuiu para um superavit de € 21,8 milhões (R$ 53 milhões).

Embora as contas do Vaticano e da Santa Sé sejam formalmente separadas, pode haver socorro entre as duas partes. Alguns relatórios citam como despesa do Vaticano transferências para cobrir parte do deficit da Rádio do Vaticano (ligada à Santa Sé).

Essa possibilidade de transferência de recursos e seu patrimônio bilionário faz com que seja improvável que a cúpula da igreja mergulhe em séria crise financeira.

"Há um vasto patrimônio e fontes variadas de receitas. Mas imagino que tentarão aumentar as receitas, principalmente as doações", diz o historiador John Pollard, da Universidade de Cambridge.

Pollard --autor de um livro sobre as finanças do Vaticano entre 1850 e 1950-- ressalta que, apesar dos escândalos sexuais envolvendo padres, as doações dos EUA (principal doador da igreja) não tiveram queda forte.

A incompletude de dados oficiais dificulta a realização de cálculos precisos de, por exemplo, quanto a renda com aluguéis de imóveis representa do total das receitas.

O governo italiano anunciou que voltaria a cobrar impostos sobre a receita da Santa Sé (isenta desde 2005) com seus imóveis comerciais. Segundo a mídia internacional, as 110 mil propriedades da cúpula da igreja na Itália valiam cerca de € 9 bilhões no ano passado.


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