Folha de S. Paulo


Em sua primeira escola, papa Francisco é lembrado como 'diabinho'

Jorge Bergoglio, o papa Francisco, é lembrado como um garoto travesso que corria incansável pelas escadarias do centenário colégio De la Misericordia, no bairro de Flores, em Buenos Aires, sua primeira escola e lugar onde ele fez a primeira comunhão. O relato foi feito à AFP pela irmã Martha Rabino, encarregada da instituição.

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"Era um diabinho, muito travesso, como todo menino. Como poderíamos saber que se tornaria o papa!", diz entre risonha e espantada a irmã Martha, de 71 anos, que chorou de emoção ao ouvir que o novo líder da Igreja Católica é esse homem que com frequência toma chá com leite com as freiras do colégio.

"Os santos são assim", ela observa.

Na entrevista, a religiosa surpreendeu ao revelar que foi catequista da presidente Cristina Kirchner quando era freira no Colegio de la Misericordia da cidade de La Plata (a 62 km ao sul de Buenos Aires), onde a presidente cursou a escola primária e secundária.

"Os dois têm uma personalidade muito forte e são muito firmes em suas convicções, mas fiquei muito contente quando li a carta que Cristina enviou a ele. Ela anunciou que vai viajar para a coroação do papa e com certeza beijará seu anel, de modo que terá que repensar sua posição", disse a freira, aludindo à relação fria entre Bergoglio e Cristina Kirchner.

Nesta paróquia do colégio De la Misericordia, a apenas duas quadras da casa onde o novo papa nasceu, a família Bergoglio inteira assistia à missa todos os domingos, e foi ali, aos 9 anos de idade, que Jorge fez a primeira comunhão e onde muitos anos mais tarde, já como sacerdote, celebrou a missa em cada acontecimento importante da congregação, com a qual conserva contato permanente.

"Era uma família que vinha à missa todos os dias. A mãe era muito cristã e devota, ele aprendeu muito com ela", opina a irmã Martha.

Mas nessa casa religiosa viveram outras mulheres que marcaram a infância e a espiritualidade do novo papa: a irmã Rosa, sua primeira professora, que ele continuou a visitar até a morte dela, em 2012, aos 101 anos, e a irmã Dolores, que o catequizou e a quem ele chorou numa noite de retiro e oração contínua quando ela morreu, dois anos atrás.

"Ele gostava de perguntar à irmã Rosa como era quando era menino, e a irmã --que era velhinha, mas muito lúcida-- lhe respondia: 'Você era um diabinho. Será que melhorou um pouco?', e ele gargalhava", relata Martha.

De acordo com a religiosa, a irmã Dolores Tortolo foi outra das freiras que o novo papa amou profundamente.

"Ela foi sua catequista quando ele tinha 8 anos; ele nunca a esqueceu, a visitou até a morte dela e, quando ela morreu, passou a noite inteira em oração e se negou a tomar qualquer coisa. Ele agradecia continuamente a catequese que Dolores lhe tinha dado."

Também se recordam de Bergoglio pulando na escada enquanto decorava a tabuada em voz alta. São histórias de sua infância que ele gostava de ouvir.

"A irmã Rosa lhe contava: 'Me lembro de quando você aprendeu a tabuada na escada, e então ia pulando os degraus de dois em dois, repetindo "dois, quatro, seis" --você era incansável'", comenta Martha, que ainda fala do cardeal e se corrige para dizer que é o papa.

Bergoglio conservava laços afetivos inquebráveis com Flores, bairro onde passou toda sua infância e onde teve a revelação de sua vocação religiosa na basílica de San José de Flores, onde celebrava a missa a cada início da Semana Santa.

"Quando ele apresentou sua renúncia como cardeal, ao completar 75 anos, Bento 16 não a aceitou; ele foi visionário ao não aceitá-la. Bergoglio pensava em vir para Flores; ele me disse 'vou passar meus últimos dias aqui', mas Bento não o deixou", comenta irmã Martha. "Talvez tenha sido uma inspiração do Espírito Santo."

A freira se movimenta devagar pelos corredores da escola, devido à artrite que afetou seus pés a ponto de obrigá-la a andar de pantufas.

"É difícil para mim me levantar e andar, devido à artrite. Mas ontem, quando ouvi que ele era o novo papa, pulei da cadeira. Acho que ele foi seu primeiro milagre como Santo Padre", disse irmã Martha em tom travesso.

Na hora de definir Bergoglio, ela o descreve como um homem de perfil baixo, sereno, de grande espiritualidade, muito firme, mas acessível e simples, que sempre chegava no ônibus 132 e se negava a andar de táxi, mesmo que estivesse doente.

Na opinião da freira, Bergoglio mostrou quem é já em suas primeiras palavras como papa, "quando pediu a benção da multidão --pediu primeiro que o abençoassem, para então ele mesmo dar a benção".

Em suas cartas, que o novo papa sempre responde de próprio punho, escrevendo com letra pequena, prolixa e meticulosa, "ele sempre termina escrevendo 'rezem por mim'".

"Agora, mais que nunca, precisamos rezar por ele. É um presente para a igreja, é um sopro de ar fresco, como abrir a janela, como aconteceu com João 23", diz irmã Martha.

Tradução de CLARA ALLAIN


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