Folha de S. Paulo


Opinião: Traduttore, traditore

Em seu primeiro pronunciamento como papa Francisco, Jorge Mario Bergoglio disse, didaticamente, que o dever do conclave é dar um bispo a Roma.

Em seguida, emendou, brincando: "Sembra que i miei fratelli cardinali sono andati a prenderlo quasi alla fine del mondo" ("Parece que os meus irmãos cardeais foram pegá-lo/buscá-lo quase no fim do mundo").

Qual foi a tradução que muitos e muitos órgãos de imprensa brasileiros fizeram da frase do papa? Eliminaram o "quase", o que simplesmente "mata" a frase original. Com o "quase" ("quase no fim do mundo"), a expressão dita pelo papa assume tom quase literal, geográfico.

Como se sabe, a Argentina fica no sul da América do Sul. A cidade argentina de Ushuaia, por exemplo, é tida como a mais austral do globo. A Argentina é longe, muito longe do Vaticano, quis dizer o papa.

Sem o "quase", a coisa muda, e muito. A expressão pode perder a literalidade e ser interpretada pejorativamente, o que seria um desastre, não pela interpretação pejorativa, mas pela mensagem em si, marcada pelo tom de desprezo etc. Não preciso explicar que tom se dá quando se diz que tal lugar fica no fim do mundo, preciso?

Pois é. Como bem dizem os italianos, "traduttore, traditore" ("tradutor, traidor"). Pior é quando traduzem uma palavra por outra, que dá ideia diferente. Em seu pronunciamento, o papa usou algumas vezes a palavra "vescovo", que significa "bispo". A expressão "vescovo di Roma" é usada com frequência como equivalente a "papa".

Em um ou outro meio de comunicação, parece que algumas pessoas não acreditaram nisso e empregaram a expressão "cardeal de Roma". Traduttori, traditori ("tradutores, traidores"). É isso.


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