Folha de S. Paulo


Velório de Chávez tem música diante do caixão, campanha aberta e "feirinha"

"Começou a lenda", diz a blusa que estampa a imagem estilizada dos olhos de Hugo Chávez, uma das dezenas de tipos de suvenires da "feirinha socialista" que se transformou o entorno da enorme fila para passar ante o caixão do esquerdista.

As amplas vias do Passeio dos Próceres, local de desfiles militares em Caracas que culminam na Academia Militar, onde está sendo velado Chávez , estão tomadas de ambulantes, pequenas barracas de comida.

As lembranças de Chávez podem ser canecas, cubos mágicos, banners, fotos e bonecos -- o "chavecito" estilo Falcon é um hit, ao lado do joão teimoso que leva a inscrição "intumbable" (intumbável).

Já há algum material de campanha para o candidato governista Nicolás Maduro. "Com Maduro o futuro é seguro", diz um botom.

Integrantes da Guarda Nacional distribuem laranjas e garrafas de águas aos assistentes. O governo instalou banheiros químicos.

Wesley ("como Wesley Snipes", explica o pai), 7, trocava neste domingo uma camisa com o personagem Homer Simpson por uma nova, comprada ali mesmo, com uma imagem de Chávez em serigrafia.

A mãe dele, Sandra Lizcano, 40, explica, apontando para Wesley: "Nós vamos começar a fazer a fila, tínhamos de vir, mas não sei quanto tempo vamos aguentar. Ele tem problema na perna". É o quinto dia de velório, a espera na fila pode durar mais de cinco horas.

Sandra conta que o governo Chávez paga três sessões de fisioterapia numa clínica privada para ele e que recebe 500 bolívares fortes (o equivalente a R$ 158 convertido no câmbio oficial), parte do "Hijos de Venezuela", um dos programas de transferência de renda.

"Chávez nos deixou mal acostumados. Era sempre ele", diz ela, que não está convencida em votar em Nicolás Maduro para presidente, apesar de essa ter sido a "última vontade" do presidente.

Alguns passados adiante, um telão exibe um discurso de Maduro no qual aceitou o apoio do Partido Comunista da Venezuela à sua candidatura. Em uma tenda também está sendo transmitido o discurso.

"Eu não sou Chávez, falando estritamente da inteligência, do carisma, da força histórica, do mando, da grandeza espiritual de nosso comandante", começou o interino. "Eu sou chavista, filho de Chávez [...] A única forma de que todos sejamos Chávez é estarmos juntos. Separados, não somos nada e podemos perder tudo", disse ele.

O auxiliar de manutenção Carlos Vera, 32, aplaude Maduro. "Nós vamos segui-lo. Esse foi o mandato de Chávez. Se esse foi o desejo do comandante, é porque ele tem qualidades. Pode ser até melhor [que Chávez]", segue ele, que recebe o equivalente a R$ 316 mensais por ter renda baixa e dois filhos abaixo de 7 anos.

ASSISTENTE INSEPARÁVEL

Se fora a fila não dá sinais de arrefecer, no salão em que Chávez está sendo velado o tom solene foi substituído por uma série de números musicais, a maioria feito por grupos de música popular e tradicional venezuelana -- uma das marcas do presidente era cantar em diversos estilos.

Um "corrido", versão do repente, defende a eleição de Maduro, com transmissão na TV estatal. Um dos irmãos de Chávez também se pronuncia.

O grupo convida, então, o tenente Juan Escalona, a cantar. Escalona era o assistente de Chávez, que levava seus objetos pessoais, café e água. Acabou conhecido do público, dada a profusão de aparições televisivas de Chávez.

Escalona cantou um "corrido" sobre a tentativa de golpe feita por Chávez em 1992.

"Não está morto, pai, comandante. Só descansa. Tomara que quando eu morra possa ir ao céu para te encontrar e seguir sendo seu ajudante", escreveu Escalona.


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