Folha de S. Paulo


Blair justifica entrada dos britânicos no Iraque; leia íntegra

O britânico Tony Blair, então primeiro-ministro, foi um dos principais aliados do americano George W. Bush na invasão ao Iraque, em 2003, sob o argumento de que o país mantinha um arsenal de armas de destruição em massa.

Confira abaixo a íntegra do discurso feito por Blair em 20 de março daquele ano, no momento em que as forças britânicas entraram em ação:

"Na noite de terça-feira eu dei a ordem para forças britânicas tomarem parte na ação militar no Iraque. Nesta noite, militares britânicos, homens e mulheres, estão participando da ação a partir do ar, da terra e do mar. A missão deles: remover Saddam Hussein do poder e desarmar o Iraque de suas armas de destruição em massa.

Sei que esta decisão produziu divergências profundas de opinião em nosso país, mas sei também que o povo britânico agora vai se unir para enviar nossos pensamentos e orações aos nossos militares. Eles são os melhores do mundo, e suas famílias e toda a Grã-Bretanha podem orgulhar-se muito deles.

A ameaça que paira sobre a Grã-Bretanha hoje não é a da geração de meu pai.

Uma guerra entre as grandes potências é pouco provável, a Europa se encontra em paz, a Guerra Fria já foi relegada à memória. Mas este novo mundo enfrenta uma nova ameaça de desordem e caos, nascido ou de Estados brutais como o Iraque, armados com armas de destruição em massa, ou de grupos terroristas extremistas.

Ambos odeiam nosso modo de vida, nossa liberdade, nossa democracia.

Meu medo profundo, baseado em parte nas informações de inteligência que recebo, é que essas ameaças se unam e promovam uma catástrofe em nosso país e nosso mundo. Esses Estados tirânicos não se importam com a santidade da vida humana; os terroristas se comprazem em destruí-la.

Alguns dizem que, se agirmos, nos tornaremos alvos. A verdade é que todos os países são alvos.

Bali nunca esteve na linha de frente da ação contra o terrorismo, a América não atacou a Al Qaeda --foi a Al Qaeda quem atacou a América.

A Grã-Bretanha nunca foi um país de esconder-se no segundo plano, mas, mesmo que o fôssemos, isso de nada nos ajudaria.

Se terroristas tiverem acesso a essas armas que hoje estão sendo manufaturadas e comercializadas pelo mundo afora, a carnificina que poderão infligir a nossas economias, à nossa segurança, à paz mundial, será algo além de nossa imaginação mais vívida.

Minha avaliação, como primeiro-ministro, é que esta ameaça é real, que está crescendo, e é de natureza inteiramente distinta de qualquer ameaça convencional à nossa segurança que a Grã-Bretanha já tenha enfrentado antes.

Durante 12 anos o mundo tentou desarmar Saddam, após as guerras dele em que morreram centenas de milhares de pessoas.

Inspetores de armas da ONU dizem que quantidades enormes de venenos químicos e biológicos, como a antraz, o gás tóxico VX e o gás mostarda continuam no Iraque, sem que tenha sido explicado o que foi feito com eles.

Assim, nossas opções são claras: recuar e deixar Saddam tremendamente fortalecido ou desarmá-lo pela força.

Recuar nos poderia proporcionar um momento de trégua, mas acredito que esta seria seguida por anos de arrependimento de nossa fraqueza.

É verdade que Saddam não é a única ameaça, mas é verdade também que nós, britânicos, sabemos que a melhor maneira de lidar pacificamente com ameaças futuras é enfrentar as ameaças presentes com determinação.

O afastamento de Saddam será uma bênção para o povo iraquiano: 4 milhões de iraquianos estão no exílio, 60% da população depende de assistência alimentar, milhares de crianças morrem todos os anos de desnutrição e doenças, centenas de milhares de pessoas foram expulsas de suas casas ou assassinadas.

Espero que o povo iraquiano ouça esta mensagem. Estamos com vocês. Nosso inimigo não é o povo iraquiano, mas seus governantes bárbaros.

Nosso compromisso com o esforço humanitário pós-Saddam será total. Vamos ajudar o Iraque a avançar em direção à democracia e colocar o dinheiro obtido com o petróleo iraquiano num fundo de fideicomisso da ONU, de modo que ele beneficie o Iraque e mais ninguém.

E o Iraque não deve ser nossa única preocupação. O presidente Bush e eu nos comprometemos com a paz no Oriente Médio baseada num Estado de Israel seguro e um Estado palestino viável. Vamos lutar para concretizar essa visão. Mas esses desafios e outros que nos defrontam --a pobreza, o ambiente, as doenças-- requerem um mundo de ordem e estabilidade.

Ditadores como Saddam e grupos terroristas como a Al Qaeda ameaçam a própria existência de tal mundo.

É por isso que pedi que nossas tropas entrem em ação hoje. Como já foi o caso em tantas outras instâncias, da coragem e determinação de homens e mulheres britânicos servindo ao nosso país depende o destino de tantas nações. Obrigado."

Com BBC

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página: